Proposta de Bruxelas já é aplicada em vários países. Especialista considera tratar-se de uma “estratégia de linguagem securitária” face aos desafios da atualidade.
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Num vídeo descontraído, a comissária europeia Hadja Lahbib mostra o que tem na bolsa para sobreviver 72 horas. Não faltam barras energéticas, um canivete suíço, uma lanterna, óculos, documentos e dinheiro. Ter bens essenciais em casa para fazer face a conflitos ou catástrofes naturais é norma em vários países da União Europeia (UE). Com base nestas diretrizes, o JN compilou alguns alimentos, cujo valor total pode ficar acima dos 25 euros.
Na última semana, Bruxelas apresentou a Estratégia da União da Preparação, um conjunto de 30 ações-chave para que a UE seja capaz de responder de forma eficaz a vários desafios, como a crescente tensão geopolítica, a cibersegurança e as alterações climáticas. O anúncio de um kit de emergência para sobreviver 72 horas em casa não foi consensual. Entre críticas de alarmismo e perante a relação tensa entre os Estados Unidos e a UE, especialistas chegaram a afirmar que a Comissão Europeia estava a evidenciar sinais preocupantes.
Diretrizes comuns
Isabel Estrada Carvalhais, professora da Escola de Economia, Gestão e Ciência Política da Universidade do Minho, acredita que o foco de Bruxelas no kit de emergência é uma “estratégia de linguagem securitária”. “O objetivo é gerar uma propensão emocional e psicológica nas pessoas para que aceitem determinadas decisões políticas”, sobretudo na área da defesa, considera ao JN.
A Comissão Europeia não especificou quais os elementos que deve ter um kit de emergência. Numa primeira fase, Bruxelas vai propor diretrizes comuns para toda a UE e irá desenvolver uma plataforma online com conselhos e práticas úteis para os cidadãos e viajantes.
Através de outros guias de países europeus, o JN compilou alimentos e objetos que já fazem parte de alguns kits de emergência de Estados-membros. Para duas pessoas, e dependendo das circunstâncias, como haver ou não água potável e eletricidade em casa, e das escolhas de cada família, os valores dos alimentos poderiam ficar acima dos 25 euros, conforme consultado num site de um hipermercado.
A docente universitária defende que a ideia de Bruxelas não é descabida e já é aplicada em vários países europeus. “Devemos compreender a linguagem política subjacente a esta proposta. Não devemos entrar em paranóia até porque há alguma utilidade”, aponta.
“Vizinhos incómodos”
Isabel Estrada Carvalhais refere que os moradores da Sicília, em Itália, sabem o que fazer, caso ocorra uma erupção no vulcão Etna e, na Suécia, desde 2018 que existe um guia sobre como atuar se houver uma crise ou uma guerra. Não são só os países com “vizinhos incómodos”, como a Rússia, a querer interiorizar práticas de defesa e de segurança. As famílias em França vão receber um “manual de sobrevivência” em casa até ao verão. Em Espanha, existem guias de autoproteção para os cidadãos, aprovados em dezembro pelo Governo. O JN questionou o Ministério da Defesa Nacional sobre um possível folheto informativo em Portugal, mas não obteve resposta em tempo útil.
Outros países
Noruega
A Direção de Proteção Civil e Preparação para Emergências da Noruega tem um site onde explica como cozinhar durante uma crise, como armazenar água potável e como tratar dos animais. O kit aconselhado inclui comprimidos de iodeto de potássio para proteger a tiróide de radiação nuclear.
Suécia
Seis anos após ter enviado um folheto informativo sobre o que fazer durante uma crise ou guerra, o governo sueco mandou novas informações atualizadas às famílias em 2024. Também tem um site com vários conselhos práticos.
Finlândia
O site da Cruz Vermelha da Finlândia tem vários conselhos disponíveis para sobreviver durante 72 horas em casa. A organização aconselha os cidadãos a ter recipientes de água com tampa para poder transportar ou armazenar e explica como ferver água, se houver suspeita de contaminação.
Polónia
O ministro dos Assuntos Internos e da Administração da Polónia apelou, este mês, aos cidadãos para prepararem kit de sobrevivência para três dias. O conjunto deve incluir água, medicação, produtos de higiene, comida, iluminação que funcione sem eletricidade, baterias e rádio.
França
Será enviado um folheto informativo às famílias em França antes do verão, para responder a “ameaças iminentes”. O documento inclui contactos de emergência e informação para inscrições nos bombeiros locais. É ainda aconselhado a ter um kit com seis litros de água e uma dúzia de enlatados.