Milhares de viticultores em todo o país estão aflitos por não conseguirem vender as uvas e tentam a salvação nas adegas cooperativas. Só que estas não lhes podem valer porque estão a braços com stocks elevados e escassa tesouraria.
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Começou a vindima. Não há festa, mas dor de cabeça. Agricultores que não têm a quem vender as uvas batem à porta de adegas cooperativas, mas muitas não dão resposta. Rejeitam novos sócios para proteger os antigos. Ou então não aceitam mais uvas do que no ano passado. Há stocks elevados de vinho e o que se vende é a preços baixos. Se não entra dinheiro, não conseguem pagar aos agricultores.
“Isto não é fácil de gerir” e “há pela frente um desafio muito grande para defender os cooperantes”, confessa António Mendes, presidente da Fenadegas, que representa 45 adegas cooperativas. Nem todas com problemas.
Uma das preocupações é evitar abusos. Um exemplo: sócios que compram uvas a outros viticultores desesperados a baixo preço para introduzirem mais produção na adega. Outro: cooperantes que normalmente vendem uvas por fora em anos de melhores preços e que este ano querem colocar toda a colheita na cooperativa. “É incompatível, não dá, as adegas não aguentam”, comenta José Meneses, presidente da Uniadegas, que agrega nove cooperativas. Porque “depois ou não conseguem vender tudo ou têm de vender a baixo preço”.
Para o bom e para o mau
Para evitar a entrada de grandes quantidades de uvas em situações duvidosas, a Adega Cooperativa de Lamego “limitou as entregas à média dos últimos quatro anos”, revela o presidente José Manuel Santos.
A Adega Cooperativa de Trevões, em São João da Pesqueira, segundo o presidente Tiago Silva, “está vazia” e “preparada para receber a produção dos sócios”. Mas só a deles. “Fechámos a adega a novas entradas, porque já prevíamos que mais cedo ou mais tarde este desespero iria acontecer. Quase todos os dias nos telefonam a pedir para serem sócios. A quota foi aumentada para 500 euros para evitar que haja entradas quando estão aflitos e saídas quando o mercado fora da cooperativa dá mais dinheiro. Têm de perceber que a adega está lá para os anos bons e para os maus”.
Jorge Correia, da Adega Cooperativa Dois Portos, em Torres Vedras, refere que estão a ser feitas “contas” para perceber se será possível receber toda a produção dos associados. Se for superior a 3,5 milhões de quilos, “pode haver dificuldades para arrumar a casa”.
Segundo António Mendes, entre as adegas que têm stocks elevados há umas que “vão alugar capacidade” de armazenamento, o que “vai encarecer o vinho”. As que não conseguirem, podem ter de vender “ao desbarato para libertar capacidade” e “vão ficar cada vez mais descapitalizadas”. Isto causa “muito pressão aos administradores”.
Muita uva ficará no campo
José Meneses concorda, pois as administrações estão “a braços com dificuldades de tesouraria para pagar as uvas aos associados”. A suportarem “juros elevadíssimos” relativos a empréstimos bancários, “há necessidade de os cooperantes realizarem capital para cumprirem as suas obrigações”.
No ano passado, a adega de Torres Vedras teve de recorrer ao financiamento bancário para ter dinheiro para pagar a campanha. Este ano, não pode repetir o procedimento. Jorge Correia teme que “pela primeira vez em muitos anos vá ficar muita uva no campo”. O preço de que se tem falado, “25 cêntimos no máximo por quilo” não compensa. Só o custo de produção ronda os “30 cêntimos”. Na sua opinião só seria rentável a partir de 60 cêntimos por quilo. E olha para o futuro. “Qual é o jovem que vai querer dedicar-se à viticultura?”.
Destilação de crise alivia, mas não resolve
Apesar de perderem dinheiro, é para muitas adegas a única forma de terem espaço para a nova colheita
O presidente da Fenadegas, António Mendes, é também presidente da Adega Cooperativa de Mangualde, na região do Dão. Como muitas outras, debate-se com “excesso de stocks”, porque a direção “não quis vender ao desbarato”. Agora vai ter de recorrer à destilação de crise e “perder bastante dinheiro”, porque vai “entregar os vinhos a um preço bastante inferior”. “É difícil de aceitar enviar denominações de origem para transformar em álcool, mas temos de o fazer porque não temos alternativa”, lamenta.
O apoio é de 42 cêntimos por litro de vinho, como exceção para o produzido no Douro, pago a 75 cêntimos.
José Meneses, que também administra a Adega Cooperativa de Torre de Moncorvo, entende que a destilação de crise “é apenas um paliativo”. “Retira o vinho das adegas, paga-o, mas não resolve o problema a médio e longo prazo”. Quase todas as cooperativas da Uniadegas vão recorrer a esta medida anunciada pelo Governo e que é apoiada pela União Europeia com 15 milhões de euros.
Crédito para pagar já 2023
Quem está no setor quer mais apoios. O presidente da Fenadegas defende uma linha de crédito que proporcione “o pagamento rápido da colheita de 2023 em falta”, para “aliviar a pressão das cooperativas que não o conseguiram”. Ao mesmo tempo “ajudavam-se os viticultores que já tiveram toda a despesa para 2024”.
José Manuel Santos, presidente da Adega de Lamego, vai mais longe e defende “um programa de saneamento financeiro das cooperativas que estão em dificuldades”. No limite, “são sempre elas que têm de resolver os problemas dos pequenos e médios viticultores”.
Para Jorge Correia, administrador da Adega Cooperativa Dois Portos, se não houver alterações profundas no setor do vinho em Portugal, é “a falência pela certa”. “Não é sustentável ter uma atividade a dar prejuízo dois ou três anos consecutivos e sem perspetivas de melhoria”.
José Meneses acrescenta que a mudança de paradigma tem de acontecer “no curto prazo”. No país, em geral, e no Douro, em particular, vai haver “abandono das vinhas pelo pequeno e médio agricultor”, as regiões vinhateiras vão ficar “desertificadas” e o Interior do país cada vez mais “empobrecido”.
Viticultores
Satisfeitos após reunião com Marcelo
O grupo de 20 viticultores durienses que ontem se deslocou a Lisboa para uma audiência com o presidente da República saiu satisfeito. Ficou com a esperança de que poderão ser aceleradas medidas para a crise que os assola. A maioria está a enfrentar muitas dificuldades para conseguir vender as uvas. É o caso de Manuel Fernandes, um dos cinco da delegação que reuniu com Marcelo Rebelo de Sousa. Das cerca de 60 pipas de 550 litros que produz anualmente só ainda conseguiu vender 20 para o vinho do Porto. “O presidente pressionou o secretário de Estado da Agricultura (também presente) para serem adotadas medidas e agora é esperar para ver”, disse. Manuel Cordeiro, presidente da Câmara de São João da Pesqueira, realçou que, apesar de Marcelo não ter poderes executivos, ficou “convencido” de que “valeu a pena ir a Lisboa”.
Candidaturas
40 milhões de litros para queima
Os produtores de vinho submeteram candidaturas para mandar destilar mais de 40 milhões de litros de excedentes. O valor submetido excede as verbas disponíveis de apoio, mas fontes do setor admitem que o rateio venha a ser mínimo porque uma parte dos vinhos candidatados não cumprem as regras. O IVV aguarda ainda pelo cruzamento de dados com o Fisco, sendo esperadas decisões nos próximos dias. O atraso na divulgação das aprovações gerou polémica, dado que as vindimas já decorrem em todo o país e muitos não sabem onde guardar o vinho. Para contornar a situação, o IVV informou ontem as comissões vitivinícolas regionais (CVR) que os produtores que submeteram pedidos de entrega de vinhos para destilar poderão avançar já com a entrega dos mesmos em fase prévia à aprovação da candidatura. O controlo caberá às CVR, sendo que o uso deste procedimento de entrega antecipada está condicionado a pedido expresso dirigido ao IVV.
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Dezoito mil viticultores
são representados pela Fenadegas. Junta 45 adegas cooperativas de várias regiões do país, que recebem uvas de quase 30 mil hectares de vinha e produzem mais de 131 milhões de litros.
Nove adegas
fazem parte da Uniadegas: cooperativas de Freixo de Numão, Vale da Teja, Freixo de Espada à Cinta, Torre de Moncorvo, Favaios, Trevões, Lamego, Penajoia e Santa Marta de Penaguião.
*com Ilídia Pinto