Neste concelho de Castelo Branco, há já representantes de 73 nacionalidades. Uns são refugiados, outros trabalhadores altamente qualificados, há quem estude, quem se dedique à agricultura, à indústria, às tecnologias, há até quem abra negócios. Mas também há dores de crescimento.
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Shawkat tinha 12 anos quando arriscou a vida para fugir ao inferno em que estava feito o Afeganistão. Foi em 2015, preferiu o risco de uma rota migratória ilegal a esperar que a morte batesse à porta, fez-se à estrada com mais dois irmãos, uma travessia de mais de quatro mil quilómetros onde o perigo espreitava a cada passo. Ora seguiam por ruas secundárias, ora apanhavam boleia, ora galgavam clandestinos pela montanha. “Andávamos durante a noite e descansávamos quando começava a amanhecer.” Não tinham saco-cama, mas o cansaço era tal que adormeciam de imediato, pelo menos até ser seguro seguir. Andavam em grupo, liderava-os um “guia” a quem pagaram uma pequena fortuna, se alguém não conseguisse acompanhar era simplesmente abandonado à sorte. Shawkat pontua os detalhes com um sorriso aberto, os dentes brancos sobressaem na tez queimada pelo sol, o ar leve destoa da história pesada que desfia.
Nove anos depois, ainda tem aquela rota cravada na memória: do Afeganistão para o Irão, do Irão para a Turquia, da Turquia para a Grécia. Só na Turquia esteve uma eternidade, podia ter sido menos, mas a fuga era penosa, a primeira tentativa correu mal, ao fim de cinco dias a caminhar pelo rio foi apanhado e levado de volta para território turco. À segunda o desfecho foi distinto, passou para o lado grego e ali ficou, os irmãos tiveram menos sorte, acabaram deportados para o Afeganistão, dos cinco que tinha dois já morreram, o pai também, todos por culpa da guerra. Já ele passou três anos num campo de refugiados e não se queixa. “Estava bem, tinha comida e um sítio para dormir.” Da Grécia veio para Portugal, está há dois anos e meio no Centro para as Migrações do Fundão, trabalha na agricultura durante a manhã, à tarde passeia pela cidade, joga críquete, sempre que pode visita Castelo Branco. “Aqui estou contente, se tenho liberdade tenho tudo.”