O “Dia da Libertação” e os “bárbaros do Sul”
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Após tudo o que foi anunciado no “Dia da Libertação”, há ainda muita incerteza em relação às tarifas (prazo, especificidades setoriais, entre outros aspetos), mas há uma certeza: ninguém sabe exatamente o que está cabeça de Donald Trump. No entanto, uma parte do seu discurso deixa uma porta (ou uma janela) aberta à possibilidade de negociação, quando ele explica que, se presidentes, primeiros-ministros, reis, rainhas ou embaixadores lhe ligarem a pedir isenções das tarifas, ele responderá: “eliminem as vossas próprias tarifas, derrubem as vossas barreiras”.
Algumas empresas portuguesas vão perder competitividade nos EUA, de forma direta. Irão perder clientes, baixar faturação e poderão fechar. Outras irão perder de forma indireta (fornecedores de componentes para a indústria automóvel europeia, cujos automóveis tinham como destino os EUA, por exemplo).
Se Trump estiver a utilizar uma tática negocial e o prazo for relativamente curto (alguns meses), algumas exportadoras portuguesas irão ganhar tempo e não sentir já o impacto, uma vez que houve importadores dos EUA a antecipar encomendas. Haverá também a pressão dos próprios setores dentro dos EUA: o setor têxtil já deixou claro que não há capacidade instalada para confecionar no país. Têm tecidos, mas não têm confeção, pelo que dependem de países como o México e, eventualmente, Portugal para que haja vestuário disponível para os americanos. O mesmo se passa noutras indústrias.
Em gestão, fala-se muitas vezes da estratégia do Oceano Azul, focada na inovação, na criação de valor, na eliminação de fatores irrelevantes da indústria e na introdução de novas propostas que satisfaçam necessidades ainda não exploradas e que permitam às empresas tornar a concorrência irrelevante. O contraponto são os oceanos vermelhos (de sangue), nos quais a concorrência é intensa, o que leva a uma guerra de preços, margens reduzidas e que resulta num mercado saturado e de crescimento limitado.
Podemos adaptar este conceito para as tarifas alfandegárias. A sua imposição pode ser vista como uma estratégia típica de Oceano Vermelho, no qual os países tentam proteger as suas indústrias nacionais criando mais barreiras comerciais. Outros países irão retaliar e, na guerra tarifária, todos ficaremos pior. Em contraste, um país ou bloco económico que não queira sangue procurará alternativas para criar valor sem depender de protecionismo. Isso pode ser feito com inovação, investimento em cadeias de fornecimento mais resilientes ou procura de novos mercados.
Dentro de dias abrirá a Expo 2025, em Osaka. A este propósito, recordemos que os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão, em 1543. Aliás, antes desses navegadores, os japoneses só teriam tido contacto com chineses e coreanos. Esses aventureiros, chegados de Macau e de Malaca, exóticos e com umas grandes barbas, foram apelidados “namban-jin” (os “bárbaros do Sul”). Eram “bárbaros” por serem estrangeiros e não por serem violentos ou selvagens, pelo que foram bem recebidos e ficaram quase um século a intermediar negócios entre o Japão e a Europa e, ainda mais fascinante, a intermediar negócios entre o Japão e outros países asiáticos.
Portugal e as empresas portuguesas de hoje podem enfrentar a instabilidade das tarifas alfandegárias com uma mentalidade de Oceano Azul. Em vez de ficarmos presos à lógica protecionista de guerra tarifária, podemos inovar, redesenhar cadeias de valor e explorar novos mercados.
O episódio dos “bárbaros do Sul” diz-nos que os portugueses foram e são capazes de o fazer. Temos a capacidade de comunicar, dialogar, criar relações e fazer negócios em qualquer parte do Mundo. Os que ousarem navegar em busca de oportunidades, mesmo em mares desconhecidos, terão mais hipóteses de prosperar do que aqueles que se deixarem ficar… a construir barreiras.