Há agências de viagens que estão a ser acusadas de cobrar tarifas encapotadas e a subscrição de serviços sem o conhecimento dos consumidores, que, seduzidos por viagens a preços mais baixos, só se apercebem desse custo adicional quando o dinheiro sai da conta.
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O Portal da Queixa registou mais de 530 reclamações relacionadas com a subscrição da tarifa “prime” da agência de viagens eDreams. Ao portal chegaram também queixas semelhantes por práticas da Rumbo, Opodo e Volotea. A Deco contabiliza “dezenas” de reclamações sobre as subscrições da eDreams. Para as associações de defesa do consumidor, estas práticas são “ilegais” e “desleais”, devendo os visados ser ressarcidos do valor total dispensado.
Elsa Sousa, de 52 anos, planeou e comprou duas viagens para a Irlanda, em outubro de 2022, por 140 euros, através da eDreams para poupar dinheiro. No próprio mês, ficou “muito surpreendida” com um débito de 50 euros na conta bancária por parte da agência. Como não sabia do que se tratava, tentou cancelar a operação junto do banco. Sem sucesso, questionou a eDreams por email, mas não recebeu resposta. Um ano depois, voltou a deparar-se com a mesma cobrança da empresa. Desesperada, denunciou a situação no Portal da Queixa, onde a eDreams explicou que Elsa tinha subscrito a tarifa “eDreams prime” e que o segundo valor debitado
correspondia à anuidade do serviço. Ao JN, Elsa Sousa garante que não tem “consciência” de subscrever qualquer serviço, solicitando a devolução do último montante debitado e o cancelamento da tarifa. “Comprei um bilhete barato que acabou por ficar muito mais caro”, denuncia.
Este é um dos exemplos entre as 535 reclamações que o Portal da Queixa recebeu, ao longo deste ano, relacionadas com esta tarifa. Foram mais 48,2% do que em 2022. Também a Deco recebeu “dezenas” de queixas. Já a Direção-Geral do Consumidor afirma que só regista uma reclamação de um consumidor que “mencionava não ter consciência de ter feito uma subscrição anual” e três relacionadas “com dificuldades de cancelamento da subscrição”.
A eDreams esclarece que a subscrição da tarifa “prime” é “um serviço opcional”, sendo necessário aos clientes aderirem “proativamente” após a leitura dos termos e condições.
“Todos os benefícios e detalhes da subscrição anual são apresentados de forma bem visível, garantindo que todos os clientes tomam uma decisão informada sobre a adesão ao programa”, argumenta a empresa, sublinhando que, “após a subscrição do Prime, cada membro recebe uma confirmação por correio eletrónico”.
O Portal da Queixa clarifica que, “em diversos casos”, o dinheiro “foi devolvido aos utilizadores após a reclamação”, mas há situações em que “a eDreams justifica que o utilizador subscreveu o serviço”. Na prática, após o período de teste gratuito, a “assinatura é renovada automaticamente, caso não seja cancelado, o que gera o débito”. “Os valores a serem devolvidos variam entre 54.99 euros e 84.99 euros”, clarifica o Portal da Queixa.
“Não há defesa possível”
Para Diogo Martins, jurista da Deco, estes esquemas tratam-se de uma “prática comercial desleal e ilegal”.
“Nas reclamações, há casos em que os consumidores subscreviam a tarifa sem se aperceberem e outros não tinham qualquer informação nem sabiam que a tinham subscrito”, explica. “É uma situação tão óbvia que não há defesa possível”, atesta.
Mário Frota, presidente da Associação Portuguesa do Direito do Consumo, nota que, “se não há uma informação imediata, clara, adequada, legível e visível para o consumidor, essa clausula não é oponível ao consumidor”. O dirigente não tem dúvidas de que o objetivo destas estratégias é “criar um quadro de dificuldades tais que deixam o consumidor perplexo e tudo o que vem à rede é peixe”.
Em resposta posterior enviada ao JN, a eDreams esclareceu que a subscrição da tarifa “prime” é “um serviço opcional” e explicado aos clientes. “Todos os benefícios e detalhes da subscrição anual são apresentados de forma bem visível, garantindo que todos os clientes tomam uma decisão informada sobre a adesão ao programa”, argumenta a empresa, sublinhando que, “após a subscrição do Prime, cada membro recebe uma confirmação por correio eletrónico”.
A eDreams indica, também, que, para “uma maior transparência”, é disponibilizado aos subscritores um “período experimental gratuito de 30 dias”, permitindo um usufruto de “todas as vantagens do programa sem qualquer custo”. A agência nota que a satisfação do cliente é a sua maior“prioridade”, dando conta de que se “orgulha” de ter um “elevado índice de satisfação dos clientes, comprovado não apenas pelos nossos dados internos, mas também por plataformas independentes”. A eDreams “ocupa a primeira posição da sua categoria no Índice de Satisfação do Portal da Queixa e ganhou o título de “Marca do mês” durante os últimos dois meses consecutivos”, afirma.
Como reaver o dinheiro nestas situações?
A Deco aconselha os consumidores a exporem sempre estas situações “por escrito junto da empresa”, ficando com uma prova que denunciou a sua situação, e a “pedirem, igualmente, uma resposta por escrito”. Se não obtiverem resposta, a Deco pode intervir, diretamente, junto da entidade. “Nos casos em que tiver sido debitado um valor, é devolvido para a conta de onde saiu. E para os casos em que nem sequer chegou a ser debitado, ficam com a prova escrita da eDreams em como dão por cancelada essa parte do contrato”, diz Diogo Martins. Segundo Mário Frota, os visados podem ir mais longe, nomeadamente “requererem uma indemnização por danos morais nos tribunais arbitrais de consumo competentes”. Saiba que existe um tribunal arbitral nacional, sediado em Braga.
Pormenores
O que diz a lei
Segundo o artigo 8.º da lei do consumidor, “o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar, de forma clara, objetiva e adequada, o consumidor, nomeadamente sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico”.
Letras pequenas
Já a entrada em vigor do Decreto-lei 32/2021 determina que a letra com tamanho inferior a 11 ou a 2,5 milímetros e o espaçamento entre linhas inferior a 1,15 em cláusulas passam a estar proibidas, em particular em contratos de fornecedores de telecomunicações ou de água.