Num par de meses, o grupo de neonazis "1143" fundou mais de 20 grupos regionais. Espalham "notícias" falsas em segundos, ameaçam imigrantes na rua e dizem-se prontos para criar um exército paramilitar.
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Odeiam etnias diferentes, defendem deportações de imigrantes em massa, estereotipam as mulheres como o sexo fraco, criam e difundem informações falsas e ameaças a estrangeiros. Em nome de uma Pátria que dizem ser só deles e só branca. Imitam Hitler, veneram Salazar e votam Ventura. Eis o Grupo 1143, um exército mais virtual do que presencial, que alega não ter líder, mas que trata Mário Machado por presidente e que nasceu com ele no estádio José de Alvalade. Este artigo tem linguagem sensível.
O grupo está como um polvo nas redes sociais X e Telegram, plataformas que usou para formar núcleos de norte a sul. Através destes, difunde instruções e vídeos de propaganda islamofóbica criados por eles ou importados da extrema-direita europeia. Enquanto o racismo aumenta em Portugal.
O 1143 alastrou-se a todo o país em núcleos criados no Telegram, sobretudo neste verão, e é na rede social que está altamente organizado a disseminar propaganda falsa e ódio racial. Cria-se o boato, instiga-se à ação de rua, dá-se meios e homens e seja o que Deus quiser, às vezes em nome d"Ele.
A extrema-direita islamofóbica da Liga da Defesa Inglesa incendiou com protestos o Reino Unido no final de julho à conta de uma notícia falsa em tudo semelhante à que circulou na rede social "X", há poucos dias, sobre um monumento que caiu na cidade de Guimarães.
Não é coincidência, é o método de "instrumentalização de dados falsos" que a especialista Joana Ricarte, da Universidade de Coimbra, confirma ser "uma moda" da extrema-direita europeia. Os áudios e vídeos publicados nos mais de 20 grupos de Telegram públicos e privados do 1143 confirmam a tese.
No grupo do Norte do 1143, a fotografia do ditador Salazar é a única fixada e todas as mensagens são apagadas de forma automática ao fim de um dia. O dono da página é o perfil "Pantera Negra", que é Gil Costa, ou "Gil Pantera", como é conhecido. É membro da claque de futebol "Panteras Negras", do Boavista, e exibe com orgulho a tatuagem a dizer "Pantera" no antebraço esquerdo.
Gil Pantera é um dos membros mais ativos do país e dissemina instruções para os núcleos locais do Norte. "Malta quem quiser balaclavas que mande mensagem para mim ou para a Ângela. Ou para o André, para o Bruno, para o Paulo, para um dos cinco administradores do Norte", informa, num dos grupos locais.
Como o 1143 se espalhou pelo Telegram
No Telegram, o 1143 tem um chat nacional chamado RCE, com 2500 membros. Há seis núcleos regionais (Norte, Margem Sul, Lisboa, Algarve, Oeste e Diáspora), com um máximo de 500 elementos cada. E ainda 11 núcleos distritais ou concelhios já formados, cada um com cerca de 100 membros: Sintra, Mafra, Coimbra, Odivelas, Santarém, Guimarães, Braga, Leiria, Aveiro, Vila Real, Montijo e Setúbal.
Quase todos os núcleos foram criados nos últimos dois meses. Num par de segundos, é através deles que Mário Machado e os seus generais difundem notícias falsas, vídeos de propaganda islamofóbica e tutoriais sobre como proceder para organizar alguma ação de rua contra imigrantes.
As regras são claras e transmitidas aos membros por Mário Machado: "Para existir um núcleo é preciso que pelo menos o responsável já tenha estado presente num evento nacional do 1143, e existirem no mínimo cinco membros na região. Sempre que possível, os núcleos devem ter dois responsáveis".
Além dos núcleos que já foram criados, há mais dez prestes a abrir: Alentejo, Guarda, Viseu, Açores, Madeira, Barreiro, Almada, Beja, Évora e Suíça. Só serão oficiais quando a estrutura nacional aprovar.
A missão também é clara e emanada de cima: "Os núcleos servem para agir localmente, angariar, agregar e mobilizar os apoiantes e membros da região. Devem ter sempre presente que existem para servir o movimento e a organização, e não para criar divisões sectárias ou regionais".
A atividade destes grupos divide-se em três tipos: disseminação de informações falsas contra imigrantes, pichagens com mensagens contra os mesmos alvos e ações de rua diversas que podem ser manifestações ou simplesmente festas e churrascos onde os membros se conhecem presencialmente.
A atividade mais recorrente dos grupos é a partilha de informações falsas, criadas cá ou importadas, que servem de munição para conversas inflamadas contra os inimigos da Pátria. Quase sempre os imigrantes. Nos grupos partilham-se vídeos de contas extremistas internacionais como a "RadioGenoa" ou a "Europe Invasion", mas também das portuguesas que são geridas pelo 1143: "Racismo Contra Europeus" e "Voz do Povo".
No final de julho, no Reino Unido, militantes da extrema-direita aproveitaram-se de um esfaqueamento perpetrado por um rapaz de 17 anos, em Southport. Quando ainda não se sabia quem era o autor do hediondo crime que matou três crianças (entre elas a portuguesa Alice Aguiar, de nove anos), grupos do X e do Telegram criaram um nome falso e alegaram que o detido era estrangeiro e muçulmano. A polícia desmentiu logo, mas o boato já estava propagado, inclusive em Portugal.
A informação falsa gerou uma violenta onda de protestos da extrema-direita, com a Liga da Defesa Inglesa à cabeça, que resultaram em tumultos, agressões contra imigrantes muçulmanos e confrontos com a polícia. Só que o assassino de Southport que deu origem a esta onda de protestos nasceu no País de Gales e não é muçulmano. Os pais são cristãos e emigraram do Ruanda.
O rastilho de Guimarães
Poucos dias depois, com o 1143, o método repete-se. O caso foi o da queda do Padrão de São Lázaro, monumento nacional de Guimarães que apareceu tombado e partido na noite de 30 para 31 de julho. Nenhum vizinho viu o que se passou, apenas ouviram o barulho da pedra a cair e, quando vieram à janela, já não estava ninguém.
Nas redes sociais, o 1143 foi rápido a culpar imigrantes. Logo às dez da manhã, uma página do X, "Racismo Contra Europeus", com quase 30 mil seguidores e que é gerida por Mário Machado, publicou a informação sobre a destruição do padrão. Escreveu que os "moradores suspeitam que o ato criminoso tenha sido realizado por imigrantes muçulmanos". Estava criado e disseminado o boato no mundo virtual. Mais tarde, a conta estrangeira "Europe Invasion", com quase 400 mil seguidores, até publicou que os autores eram paquistaneses. Esta foi a conta que, segundo a Euronews, criou a informação falsa que deu origem aos tumultos no Reino Unido.
Guimarães- Cruz de Cristo do Padrão de São Lázaro vandalizado e destruído. Moradores suspeitam que acto criminoso tenha sido realizado por imigrantes muçulmanos. pic.twitter.com/nOpUSGVgHa
- Racismo Contra Europeus (@racismocontrapt) July 31, 2024
Logo depois de publicar a informação no X, Mário Machado manda uma mensagem para o núcleo de Guimarães, via Telegram: "Pessoal, ataque na vossa cidade". Um membro vimaranense ainda diz que ninguém viu nada, mas Machado já tinha a sentença traçada: "Era porreiro fazerem aí alguma coisa. Isso foi monhés de certeza. Estão a fazer isso na Europa toda".
Nos grupos do 1143, os afrodescendentes são tratados como "pretos" ou "macacos" e indostânicos são "monhés" ou "chamuças". No núcleo de Guimarães, Mário Machado instigou a ações de rua e Gil Pantera reforçou o apelo para os neonazis da região aproveitarem o caso do monumento: "Aproveitem isso manos, façam disso um trampolim para vocês crescerem senão ides ser tomados de assalto".
Além do incentivo, Gil Pantera diz como fazer e prontifica-se a pagar as despesas: "Um de vocês que estiver disponível que vá a uma drogaria, compram três metros de faixa preta, compram um spray branco e, se for preciso dinheiro, vocês digam que eu mando-vos já dinheiro. Estendam isso numa ponte por favor. Ou então compram 15 metros de faixa, fazem isso para a Alice, a menina, e põem do outro lado a dizer 'remigração'". Pode ouvir aqui como foram dadas as instruções:
Remigração significa, na prática, a deportação em massa de todos os imigrantes que não são brancos ou não são europeus. É um termo recorrente entre a extrema-direita nacional e mundial.
Na ausência de resposta de Guimarães, Mário Machado volta à carga: "Não custa nada fazer uma faixa a dizer 'Islão fora de Portugal' ou 'Stop islão' ou qualquer coisa do género. Colocam-se à frente daquilo, pedem à namorada para filmar e já está um efeito do caralho. Depois nós espalhamos por todo o lado". O porta-voz do 1143 quis a todo o custo que a iniciativa acontecesse e apelou ao patriotismo dos vimaranenses: "A nível de simbolismo, Guimarães é a cidade mais importante do país, mais do que Lisboa".
Face à pressão, João Peixoto, coordenador do núcleo de Guimarães, agendou um encontro para o sábado seguinte, dia 4 de agosto, mas só apareceu uma pessoa, como o próprio lamentou no Telegram: "No sábado eu marquei e ninguém apareceu, só apareceu um membro". Ao contrário do Reino Unido, a informação falsa não teve consequências em Guimarães. O objetivo falhou.
Machado irrita-se e insulta membros
A queda do monumento vimaranense aconteceu numa altura em que o 1143 já tinha marcada uma manifestação para o dia 5 de outubro em Guimarães. No Telegram, era evidente que o número de membros confirmados estava aquém do esperado.
Há poucos dias, num áudio distribuído pelos mais de 20 grupos, e que pode ouvir mais abaixo, Mário Machado mostrou-se furioso com os heróis do teclado que não saem à rua: "Temos já 20 mulheres, que é o sexo mais fraco - o mais fraco que existe são as mulheres, as crianças e os velhinhos -, que já reservaram e pagaram as carrinhas de Lisboa para Guimarães. E depois temos centenas de camaradas que se comportam como autênticos paneleiros".
E vai mais longe: "Vocês são uns ratos da net pá. Não têm vergonha? Comportam-se como os gajos de Esquerda. Não têm testosterona? O que é que falta para vocês serem homens pá? São uns paneleiros que não saem de casa. Percam o medo". O áudio:
O Grupo 1143 já entrou com um pedido de autorização, na Câmara de Guimarães, para realizar a manifestação de 5 de outubro. Está assinado por Mário Rui Valente Machado (nacional), Gil Emanuel Teixeira Baptista da Costa (Norte) e por Miguel Vasco Carreira da Rocha (Guimarães). Ainda não teve resposta.
A estrutura de organização vertical subjacente ao funcionamento do 1143 assegura o financiamento das iniciativas sempre que os núcleos não têm verbas. O dinheiro é angariado entre membros através de donativos - os núcleos também servem para isso - que são geridos pela estrutura nacional. Além desta receita, o grupo vende merchandising em duas lojas virtuais (uma no Norte e outra em Lisboa) que vai desde cachecóis, t-shirts, calções, canecas, porta-chaves, relógios, estandartes ou autocolantes.
Mário Machado foi questionado pelo JN e aceitou responder a tudo. Porém, há um grande contraste entre o que diz o neonazi mais conhecido de Portugal e o que fazem os membros do 1143. Antes de mais, confirma a estratégia de expansão do grupo: "Reestruturamos a organização e tivemos o impacto da entrada das pessoas que eram apenas simpatizantes, mas a partir do momento em que os núcleos foram feitos começaram-se a tornar mais ativas porque sentiram a organização perto delas".
Sobre a propagação contínua de informações falsas, afirma: "Nós recebemos muitas denúncias de pessoas que todos os dias nos contam histórias. Como é que podemos perceber se as histórias são verídicas ou não? Não temos uma varinha de condão. Depende da forma como a história é contada, se vem acompanhada com fotos e vídeos, depende da pessoa que conta, se já conhecemos ou não. Fazemos tanto quanto possível uma 'checagem' antes de publicar as coisas".
O porta-voz da organização nega ter criado o boato de Guimarães e diz que foi informado por um membro da cidade-berço: "Recebemos logo de manhã a denúncia de uma pessoa que é do núcleo do 1143 de Guimarães que disse 'olha foi assim e assim, viram que eram imigrantes a sair e as pessoas dizem que foram eles'. Nós acreditamos e colocamos nas redes sociais. Pode ser mentira? Claro, mas isso todas as informações podem até se encontrarem os culpados".
A PSP já desmentiu a informação ao comunicar que "não há qualquer indício" de que o crime tenha conexão "com indivíduos de nacionalidade estrangeira ou de qualquer religião". O caso passou para a Polícia Judiciária.
"Preparados para guerra civil ou convencional"
Depois da disseminação de notícias falsas, as pichagens são as atividades mais frequentes do 1143. Murais antifascistas, do 25 de abril, do PCP e do Bloco de Esquerda são alvos prioritários. No núcleo de Braga partilham-se frequentemente localizações de murais a atacar e, uma vez cumprido o serviço, espalham-se as fotografias pelo X e Telegram.
No início do mês, várias paredes da zona industrial da Póvoa de Varzim, onde trabalham muitos imigrantes, foram pintadas com frases como "Islam Out" (fora com o islão) e "Ausländer Raus" (estrangeiros fora).
As fotos e os elogios ao trabalho feito disseminaram-se pelos mais de 20 núcleos da organização. Também se espalharam por páginas do X aparentemente independentes, mas que estão ligadas ao 1143, como a "Racismo Contra Europeus" (que dá o nome de RCE ao chat de Telegram nacional dos neonazis) ou "A Voz do Povo", que tem 5000 seguidores. Mário Machado diz ao JN que a página RCE tem como lema "informar, doutrinar e radicalizar".
"Ausländer Raus" é o nome de uma música nazi, originária da Alemanha, que tem ganhado força nas discotecas e bares neonazis de toda a Europa. Na letra mandam-se deportar estrangeiros e glorifica-se "uma Alemanha para os alemães".
Por cá, o 1143 também tem um hino. Num metal acelerado, reza assim o refrão da letra criada há um par de meses: "1143 guardiões da nossa fé / no amor por Portugal / erguemo-nos de pé / nação soberana / defendemos sem hesitar / com o coração valente / prontos para lutar". Ouça um excerto aqui:
O "lutar" com que termina o refrão do hino do 1143 não é uma hipérbole. O grupo diz estar "preparado para transformar o seu movimento em organização paramilitar" no caso de uma guerra civil ou militar em Portugal, como se comprova pela publicação na página de Mário Machado, há dois dias.
Se a Guerra convencional ou civil chegar às nossas fronteiras, o Grupo 1143 está preparado para transformar o seu movimento em organização paramilitar, coadjuvando as Forças Policiais e Militares, na defesa da Nação e dos portugueses, em solo pátrio, mesmo com o sacrifício da... pic.twitter.com/8VoJIue0sp
- Racismo Contra Europeus (@racismocontrapt) August 10, 2024
Imitam Hitler mas "é a brincar"
O regime nazi de Adolf Hitler serve de inspiração para muitos membros do 1143. Não há evento em que não se cante o hino nacional com o braço estendido para a frente, erguido a 45 graus e de mão esticada, imitando a saudação nazi que se propagou nos tempos da ditadura genocida alemã. Mário Machado é um dos que o faz.
Contudo, ao JN, diz que o grupo não é neonazi: "A nível ideológico somos nacionalistas, é a melhor palavra que define o grupo. Se temos nacional-socialistas na nossa organização? Temos. Também temos fascistas e temos pessoas que se consideram de extrema-direita, mas a maioria considera-se apenas nacionalista".
No grupo, não é isso que se vê. As cruzes suásticas e as imagens de Hitler estão por todo o lado, nas discussões ideológicas é aligeirado o papel do regime nazi e o genocídio do povo judeu é desculpado com o facto de também Josef Estaline, antigo líder da União Soviética, ter realizado iniciativas antissemitas. No núcleo de Odivelas, a 17 de julho, foram partilhados mais de 30 grupos e sites que difundem diretamente a ideologia nacional-socialista (nazi) de Hitler. Miguel Morato, um dos membros, autointitula-se o "Goebbels" do 1143. Joseph Goebbels foi o ministro da propaganda de Hitler.
Confrontado com isto, Mário Machado diz que é tudo a brincar: "Isso é feito num tom de brincadeira, sarcástico, e as pessoas que o fazem nem sequer são nacional-socialistas. É por provocação. Quando nos chamam nazis eles até vão e pegam numa fotografia do exército alemão e trocam a cara, etc. Isso é uma forma de gozar com a situação, nós convivemos perfeitamente bem com isso".
O nome 1143 refere-se ao ano em que foi assinado o tratado de Zamora. O início desta organização repleta de "brincalhões" neonazis remonta ao início deste milénio no Estádio José de Alvalade enquanto subgrupo de "skinheads" da claque Juventude Leonina. Mário Machado já integrava o 1143 nessa altura e ressuscitou o movimento no ano passado.
A organização tornou-se aclubística e tem membros de claques de futebol de norte a sul do país. Supostamente é apartidária, embora Mário Machado tenha abandonado a tentativa de criar o partido Nova Ordem Social quando o Chega nasceu e, por diversas vezes, o neonazi tenha apelado ao voto em André Ventura.
Ressalve-se que o sentimento não é recíproco. Na reação a um dos apelos de Mário Machado à participação numa manifestação do Chega, em 2020, André Ventura disse ao Expresso que "uma coisa são ideais mais de direita, outra coisa é a apologia de crimes de ódio. Isso já não é democracia, é bandidagem".
Generais vindos do Chega e Ergue-te
Apesar disso, alguns dos generais de Mário Machado vieram do Chega e do Ergue-te. Um deles é Rui Roque, responsável pelo Algarve, que ficou conhecido por apresentar, num congresso do Chega, uma moção para retirar os ovários às mulheres que abortam.
Do partido de André Ventura também veio Ana Cardoso, conhecida por "Stuka". No 1143 é coordenadora do núcleo de Sintra e até se voluntariou a combater a guerra na Ucrânia com neonazis espanhóis.
Isabel Montalvão, coordenadora do núcleo em formação da Madeira, foi cabeça de lista do Ergue-te por aquela região autónoma nas últimas eleições legislativas. Todos estes membros - aos quais se somam Gil Pantera e Mário Machado - são porta-vozes do 1143.
O grupo diz que funciona numa lógica de "leaderless resistance" (resistência sem líderes), apenas com porta-vozes, mas é Mário Machado que dá as instruções para quase tudo o que se faz, é ele quem dirime os conflitos entre membros e aprova a formação de novos núcleos. Sempre que fala, todos obedecem.
Na semana passada, quando o neonazi completou 47 anos, houve quem lhe enviasse mensagens a dizer "parabéns grande presidente". Alguns dos membros que o fizeram são responsáveis por núcleos concelhios e distritais.
Ao JN, Mário Machado volta a dizer que é tudo a brincar. "Isso é na brincadeira, também me chamaram grande líder a gozar com o Kim Jong-un. Não sou líder. O nosso grupo funciona assim: quanto mais empenhados estão na causa, mais relevo têm na organização, isto assenta muito no mérito".
O objetivo do "presidente" do 1143 é reforçar a presença na rua. Por isso, os seus membros empregam um terceiro tipo de iniciativas, de cariz variado, que passa por ameaças a imigrantes, cancelamentos de concertos e até churrascos e festas de grupo.
Eventos designados de "white boy party" (festa do rapaz branco) ou "churrasco nacionalista" são frequentes e servem para os membros de cada núcleo se conhecerem pessoalmente. Come-se, bebe-se, dança-se, canta-se a "Ausländer Raus" e apela-se à morte dos antifascistas.
A 23 de julho foi partilhado em todos os grupos um vídeo de um desses churrascos em que cerca de 30 pessoas cantam "quem me dera que o avião da Chapecoense fosse dos antifas". Recorde-se que, em 2016, um avião com os membros daquela equipa brasileira despenhou-se e morreram 71 pessoas.
Incentivados a cancelar atuação
Noutro tipo de iniciativa, os membros do 1143 envidaram esforços para cancelar o espetáculo da artista brasileira MC Pipokinha na Malveira, em Mafra. Como o funk sexual e seminu da brasileira não era do agrado nem apropriado para os neonazis, organizaram-se, puseram folhetos A5 e posters A1 nas caixas de correio, pressionaram a organização do evento e o Fexpomalveira acabaria mesmo por cancelar o espetáculo.
É Mário Machado que explica, nos grupos de Braga e de Guimarães, como tudo aconteceu: "Fizemos folhetos, metemos nos carros e nas caixas de correio como alerta para causar algum sentimento de preocupação à população e para despertar consciências. Depois colocamos nas redes sociais, pedimos às pessoas do grupo de Mafra para inundarem as páginas de Mafra e Malveira. Depois falamos com associações católicas e cristãs que não se reveem nesse tipo de atuação".
O tutorial de Mário Machado foi apresentado naqueles grupos porque a MC Pipokinha tinha uma atuação agendada para a discoteca Swing, na Póvoa de Lanhoso, sábado à noite, dia 10. Mário Machado não se conformou com a data e incentivou ao cancelamento: "Se não conseguirem cancelar não se perde nada, o que se perde é se não tentarem". Só que na Póvoa de Lanhoso a brasileira atuou.
O cancelamento da MC Pipokinha na Malveira foi elogiado pelo deputado Miguel Arruda, do Chega, no X: "Não tenho problema nenhum em vir agradecer publicamente pelo alerta que deixaram e pelas vossas ações na Malveira".
O mais recente cavalo de luta de Mário Machado está, no entanto mais a sul, concretamente na Obra Social do Pousal, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Esta instituição contratou uma pessoa transexual de nacionalidade brasileira que partilha a casa de banho com as funcionárias mulheres da instituição.
Para Mário Machado, é injusto que as funcionárias tenham de partilhar a casa de banho com "um homem", até porque os transexuais "são pessoas com graves problemas do nível psicológico". Por isso, o Grupo 1143 requereu uma reunião com a diretora técnica, apesar de afirmar que a dirigente "pertence ao lóbi LGBT".
A 1 de maio, o Grupo 1143 organizou um torneio de paintball no pavilhão indoor "Milícia Urbana", em Vila Nova de Gaia. O evento contou com mais de 20 membros e os registos de vídeo do evento foram partilhados com a seguinte frase do ditador Salazar: "Instrução aos mais capazes, lugar aos mais competentes, trabalho a todos, eis o essencial".
Filmam-se a ameaçar imigrantes no Porto
O discurso de incentivo ao ódio contra imigrantes é comum a vários membros. Um dos mais ativos é André Silva, membro do Norte cuja foto de perfil é ele vestido com um fato das SS (o exército de Hitler e do regime que matou mais de cinco milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial).
Há duas semanas, André Silva disseminou pelos mais de 20 grupos um vídeo em que segue dentro de um carro com mais dois elementos. É de dia e estão a passar nos Aliados quando André Silva liga a câmara do telemóvel e mostra o punho cerrado dentro de uma luva de cabedal cheia de saliências altas na zona dos dedos: "Estamos aqui na invicta sempre prontos para a morcelada com a luva mágica. Estamos a fazer a ronda e este é já o primeiro". Nisto, enquanto todos se riem e imitam músicas indianas, André aponta o telemóvel para um estafeta da Glovo que vai numa mota ao lado. O trânsito segue, o imigrante apercebe-se e muda de sentido.
Noutro caso, também no Porto, na madrugada de três de maio, um grupo de portugueses arrombou a casa de imigrantes argelinos na zona do Bonfim e agrediram-nos com paus. Diziam atuar em resposta aos assaltos que estariam a ser perpetrados pelo grupo argelino.
Seis homens foram identificados pela PSP e um foi detido. Destes, pelo menos dois (incluindo o detido) faziam parte do 1143. Mário Machado garante ao JN que não agiram em nome do grupo: "Não teve nada a ver com o 1143. Se a claque do Benfica e do Sporting se envolverem em confrontos e estiver lá um membro do 1143 também não vão dizer que foi a mando do grupo".
Num dos convívios privados, há menos de um mês, Mário Machado disse que os agressores foram patriotas: "Como vocês sabem, existe um ou dois elementos do Grupo 1143 que também estiveram envolvidos numa situação complicada no Norte. Não enquanto membros do Grupo 1143, mas enquanto patriotas, e também possivelmente vão ter problemas judiciais. Como dizia Voltaire, 'é perigoso estar certo quando o Governo está errado' e nós estamos muito certos".
Outro alvo do grupo 1143 são os jornalistas. O último exemplo deu-se na conta "Racismo Contra Europeus", do X, na passada sexta-feira. Mário Machado não gostou de um artigo que saiu na Visão e apelidou o jornalista de "esgoto a céu aberto". Nos comentários, em resposta aos camaradas que davam eco à campanha contra o jornalista, o porta-voz do 1143 acrescentou: "Tem cara de quem foi abusado por um cavalo quando era adolescente e gostou".
Grupo integra polícias e oficiais das Forças Armadas
As autoridades estão atentas ao fenómeno da propagação do ódio. No Relatório Anual de Segurança Interna, que é o documento que faz o balanço da atividade de segurança de 2023, as autoridades reconhecem o "agravamento da ameaça da extrema-direita". Dizem que "após um período de estagnação, as organizações tradicionais e os militantes dos setores neonazi e identitário retomaram a sua atividade, promovendo ações de rua e outras iniciativas com propósitos propagandísticos".
Recentemente, o Ministério Público abriu um inquérito à atividade do grupo por suspeitas de incitamento ao ódio e à violência. O processo surgiu após manifestações em Lisboa e no Porto. Em resposta ao JN, fonte da Procuradoria-Geral da República confirmou o inquérito: "Encontra-se em investigação no DIAP de Lisboa, sujeito a segredo de justiça".
Por saberem que estão a ser investigados, muitos membros do 1143 não se identificam no Telegram e aparecem de cara tapada nas manifestações. Dentro da organização há quem não concorde com o facto de haver gente de cara tapada e houve quem manifestasse o desagrado.
A quem não concorda, Mário Machado respondeu com um áudio: "Para nós, uma pessoa vale tanto de cara tapada como de cara a descoberto. Existem polícias nas nossas manifestações e se forem descobertos são expulsos. Depois concerteza não és tu nem ninguém que vai pagar a comida dele ou da mulher que está em casa. Existem pessoas que são oficiais das Forças Armadas, por exemplo, que também participam nas nossas manifestações e atividades que, se forem fotografados, facilmente têm processos disciplinares". Pode ouvir o áudio aqui:
Legalmente, o 1143 não está constituído e é equiparado, do ponto de vista judicial, a um grupo de amigos. No entanto, como se percebe pelos grupos de Telegram, a atividade está altamente organizada. Mário Machado prefere continuar assim: "Não vamos criar nenhuma associação. A partir desse momento temos que ter nomes, cargos, órgãos sociais, eleger um líder, apresentar contas, etc. Nós não queremos ser nada disso, nós queremos ser um grupo informal e de ação".
Racismo cresceu, dizem estatísticas e imigrantes
Enquanto o grupo 1143 cresce, do outro lado fermenta o sentimento de insegurança por parte dos imigrantes. Shiv Kumar Singh, presidente da Casa da Índia, denuncia que se intensificou o discurso de ódio: "Nas redes sociais, no X e no Facebook, há muitas mensagens de ódio e sentimos que ultimamente tem sido mais frequente. Na rua, os sikhs, que usam turbante, também têm sido alvos de ações".
Sempre que acontece alguma coisa, acrescenta Shiv, "espalha-se logo a mensagem de que é indiano". Isso resulta "em rixas que já aconteceram em Lisboa" e em provocações frequentes que acontecem nos comboios daquela Área Metropolitana: "Quando veem que uma pessoa é imigrante e não fala português começam a meter-se com eles. As coisas têm acontecido".
As estatísticas da PSP e da GNR confirmam o aumento dos crimes de ódio, tal como o JN informou na edição de 15 de abril. Em 2023, aumentou o número de delitos e os inquéritos instaurados, em particular contra a identidade cultural e integridade pessoal.
Teresa Pizarro Beleza, coordenadora do Observatório do Racismo e Xenofobia, disse, na altura, ao JN, que "os chamados crimes de ódio poderão multiplicar-se, se um sentimento de impunidade se associar ao avanço de partidos políticos e movimentos de extrema-direita de cariz racista e xenófobo, fazendo vir ao de cima preconceitos que estavam mais escondidos".
O artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa define que não são permitidas "organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista".
Dezenas de crimes e longo historial com a justiça
O historial de Mário Machado com a justiça é longo e o porta-voz do 1143 ainda está à espera de uma decisão judicial que o pode enviar de novo para a prisão. Trata-se de um crime por incitamento ao ódio, nas redes sociais, contra Renata Cambra, ex-líder do Movimento Alternativa Socialista.
Em 2022, no X, Mário Machado e Ricardo Pais escreveram mensagens que apelavam à "prostituição forçada das mulheres de Esquerda", particularizando Renata Cambra, que os processou. Mário Machado foi condenado a dois anos e dez meses de prisão efetiva (por causa dos antecedentes criminais) e Ricardo Pais a pena suspensa (não tinha antecedentes). Foi apresentado recurso e ainda não há decisão. A defesa de Mário Machado argumentou que os comentários foram "na brincadeira".
O mais conhecido neonazi português já foi condenado por vários crimes e acumulou um total de penas superior a 15 anos. O rol é vasto: discriminação racial, tráfico de armas proibidas, posse ilegal de arma, roubo qualificado, extorsão, sequestro, dano, difamação, coação e ameaça.
Em 2007, foi detido porque deu uma entrevista na RTP onde fazia a apologia da ideologia nazi e apresentava-se em casa na posse ilegal de uma espingarda caçadeira, incentivando os portugueses a terem uma também.
Nos núcleos do 1143, Mário Machado é visto como um mártir e são-lhe feitas promessas de que o grupo vai continuar a atividade mesmo que o "presidente" seja preso de novo.