O filme de Sean Baker juntou mais quatro estatuetas à de Melhor Filme.
Corpo do artigo
Numa das menos previsíveis noites dos Oscars dos últimos anos, depois da polémica em torno das antigas declarações de Karla Sofía Gascon que deitaram por terra a então esperada conquista dos principais prémios por "Emilia Pérez", o grande vencedor acabou por ser "Anora".
O filme de Sean Baker centra-se numa jovem trabalhadora do sexo que é contratada por um jovem e imaturo russo a viver nos Estados Unidos e que acaba por casar com ela, levando os seus pais a viajarem para os Estados Unidos para “resolver” a situação.
"Anora" tinha iniciado o seu caminho em maio passado, com a então inesperada conquista da Palma de Ouro de Cannes e nas últimas semanas começara a sobressair dos restantes candidatos, com alguns outros prémios alcançados. E à medida que a noite ia avançando, começava a desenhar-se o cenário final: “Anora” é o Melhor Filme do ano de 2024 para a Academia de Hollywood, que celebrou os Oscares pela 97ª vez.
Ao receber o prémio principal da noite, Sean Baker sublinhou o facto de se tratar de um filme independente. Já antes, quando subira ao palco para recolher das mãos de Quentin Taranrtino o Oscar de Melhor Realizador, fizera um apelo para que as pessoas vissem os filmes no cinema, sobretudo para que os pais ensinem os filhos a irem às salas ver os filmes, para garantir que o cinema possa existir nas próximas gerações.
“Anora” venceu ainda o Oscar de Melhor Argumento Original, também para Sean Baker, de Melhor Montagem e, grande surpresa da noite, o de Melhor Atriz, para a jovem Mikey Madison, que assim ultrapassou as favoritas Demi Moore e Fernanda Torres. No palco, a atriz agradeceu a colaboração de imensas trabalhadoras de sexo, que a ajudaram a compor a personagem e lhe deram várias lições de vida.
O filme de Sean Baker motivou uma das raras tiradas políticas de Conan O’Brien, que apresentou a cerimónia, num estilo minimalista e com pouca eficácia, salvando-se a sua primeira aparição, "recriando" com graça um dos momentos mais gráficos de “A Substância”. Mas, referindo-se ao conteúdo de “Anora”, deixou escapar qualquer coisa como "finalmente haja alguém que faça frente a um russo duro"!
Outro dos grandes momentos da noite foi o sentido discurso de Adrien Brody, considerado Melhor Ator por “O Brutalista”, agradecendo a oportunidade de ali estar pela segunda vez. Recorde-se, o seu primeiro Oscar foi pelo filme de Polanski, “O Pianista”, o que o levou a referir que venceu dois Oscars por filmes que falam da opressão, fazendo um apelo contra o ódio. Para bom entendedor, meia palavra basta.
“O Brutalista” venceu ainda nas categorias de melhor Música e Fotografia. “Emilia Perez”, como se esperava um dos grandes derrotados da noite, venceu em apenas duas das treze categorias para que estava nomeado: Melhor Canção e Atriz Secundária.
Retirando a Isabella Rossellini a possibilidade de ganhar na sua primeira nomeação, pelo seu trabalho em “Conclave”, Zoe Saldaña não esqueceu o facto de ser oriunda de uma família de emigrantes. Outra forte bicada de Hollywood ao Governo de Washington.
Também com dois Oscars, mas nas categorias chamadas técnicas, Ficaram “Wicked” (Direção Artística e Guarda-Roupa) e “Dune – Duna: Parte Dois” (Som e Efeitos Visuais). Com Demi Moore fora da corrida, “A Substância” ficou-se pelo Oscar de Maquilhagem e Cabelos. Já “Conclave”, apesar de ter vencido um Oscar, conquistou o de Melhor Argumento Adaptado.
Apesar da desilusão de Fernanda Torres, para quem ter chegado aos Oscars já foi uma festa, o Brasil pode estar orgulhoso, porque “Ainda Estou Aqui” venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional, o primeiro das cinco nomeações já alcançadas pelo cinema brasileiro – o cinema português continua a zeros nesta categoria. Assim, Walter Salles fez um discurso simples mas eficiente, salientando a personalidade de Eunice Paiva, em cuja história o filme se baseia, que viu a sua vida ser destroçada pela ditadura militar mas resolveu não desistir.
Dos dez títulos candidatos ao Oscar de Melhor Filme, apenas dois não tiveram qualquer recompensa, “A Complete Unknown”, e “Nickel Boys”, que ainda não estreou entre nós.
Como se esperava, Kieran Culkin venceu o Oscar de Melhor Ator Secundário, por “A Verdadeira Dor” e “Flow” o de Melhor Longa de Animação. O momento mais político, e amplamente ovacionado, estava reservado para o Oscar de Melhor Longa Documental. Neste momento em exibição em Portugal, “No Other Land” foi realizado por um coletivo de cineastas palestinianos e israelitas e aborda a destruição de uma aldeia palestina pelo exército israelita.
Ao receber o prémio, o realizador israelita sublinhou a necessidade de israelitas e palestinianos viverem em paz, lado a lado, comentando a injustiça dele próprio poder viver em liberdade, o que não acontece com o seu colega palestiniano, acabando a acusar a política externa norte-americana de estar a bloquear a solução.
Já antes, ao receber o Oscar para melhor curta de animação, “In the Shadow of the Cypress”, o casal de realizadores iranianos confessaram ter recebido o visto para entrar no país apenas algumas horas antes da cerimónia, salientando ainda a dificuldade de fazerem o filme no seu país. Já Daryk Hannah, uma das apresentadoras da noite entrou no palco do Dolby Theater de Hollywood a gritar bel alto “Slava Ukraine” (viva a Ucrânia).
Numa cerimónia que não esqueceu os corpos de bombeiros que lutaram contra os incêndios que devastaram Los Angeles no início do ano e que homenageou como sempre os homens e mulheres do cinema que nos deixaram nos últimos doze meses, abrindo com uma sentida homenagem a Gene Hackman, destacam-se ainda alguns momentos musicais, as homenagens a Quincy Jones e à memória dos filmes de James Bond e a entrada em palco de Mick Jagger.