Estrela norte-americana dominou céu de Cannes durante 24 horas.
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Já vão longe os tempos em que os grandes estúdios norte-americanos utilizavam Cannes como plataforma de lançamento de alguns dos seus maiores sucessos. Com esse divórcio generalizado entre o grande festival francês e os estúdios de Hollywood, Cannes agarra-se como pode a um ou outro dos seus ainda cúmplices para garantir a presença na Côte d’Azur de pelo menos uma estrela de primeira grandeza.
É o caso de Tom Cruise, cuja boa relação com Thierry Frémaux, que já dera resultados espetaculares com o mais recente “Top Gun”, com uma formação da força aérea francesa a sobrevoar o Palácio dos Festivais. A megaestrela global, uma das raras do mundo mediático de hoje que ainda respira cinema, proporcionou a Cannes a estreia mundial de “Missão: Impossível – Ajuste de Contas Final”, que apenas chega às salas de todo o mundo na próxima semana. Em Portugal, será na quinta-feira, dia 22.
Pela oitava vez desde que a série transitou da televisão para o grande ecrã, Tom Cruise é Ethan Hunt, o “homem certo nas ocasiões erradas”. Desta vez, o mundo está prestes a ser dominado por uma Entidade, que utiliza as potencialidades da Inteligência Artificial para gerar uma seita de fanáticos que invocam o Apocalipse, a destruição da Humanidade como a conhecemos.
O nosso herói é a única pessoa capaz de impedir os planos de quem está por detrás dessa Entidade e, numa das primeiras cenas do filme, tem de passar pelo meio de uma manifestação de alienados que gritam, “that’s enough”! Na versão a que a imprensa assistiu, as legendas em francês eram claras na sua tradução: “ça suffit!”. Há agora uma enorme curiosidade em saber como é que os responsáveis da versão portuguesa vão traduzir a frase! Felizmente, o filme chega a Portugal alguns dias depois de mais um ato eleitoral…
Tom Cruise, que dominou o céu de Cannes durante 24 horas, não tinha previsto nenhum contacto com os jornalistas, nem sequer através de uma conferência de imprensa. O novo Missão: Impossível, não necessita de mais promoção, é a mensagem que Cruise, também produtor do filme, deixou em Cannes. Mas, fiel ao seu gosto pelo contacto com o público, apareceu de surpresa para uma presença de vinte minutos na masterclass aberta a todos dada pelo realizador dos últimos filmes da série, Christopher McQuarrie.
Na mais esperada das questões que o público levantou, sobre a possibilidade de vir a haver um novo filme da série no futuro próximo, Tom Cruise deixou a porta aberta ao não o negar, afirmando: “Agora está na hora da apreciar este filme”. E “Missão: Impossível – Ajuste de Contas Final” é um enorme espetáculo de quase três horas, que culminam na cena de ação efetuada pelo próprio Tom Cruise mais grandiosa e perigosa de toda a série. Não acreditam? Só mesmo visto…
Entretanto, a competição continuou em grande estilo com a exibição dos novos filmes de Domink Moll e Oliver Laxe, “Dossier 137” e “Sirat”. Moll transforma em ficção um caso verídico, quando uma inspetora dos serviços internos da polícia francesa investiga o possível abuso de dois agentes que, sem qualquer justificação, dispararam
contra um jovem, atingindo-o com um tiro na cabeça que lhe transformaria a vida para sempre. Com uma Léa Drucker sempre fantástica de concisão, rigor e humanismo, o filme põe o dedo numa das feridas da sociedade francesa, a violência policial, e a forma como as hierarquias da instituição e o próprio governo tentam minimizar incidentes como este do “Dossier 137”.
Uma extraordinária experiência de cinema é que nos proporciona Óliver Laxe, o jovem basco que já impressionara com “O Que Arde”. Agora, em “Sirat”, evocação islâmica sobre a porta estreita por que temos de passar para entrar no Paraíso, coloca Sergi López como um homem que chega a Marrocos com o filho mais novo, em busca de uma filha adolescente que fugiu de casa há meses, partindo para o deserto com um grupo de personagens completamente à margem que lhe indicam que ela talvez esteja num local para onde se dirigem e onde haverá um espetáculo de música. Uma viagem mística e cinematográfica arrasadora, que não é para todos os estômagos, mas nos deixa pelo menos em paz com o cinema como forma de contar uma história, em imagens e, aqui, muito também em sons.