Prescrição por enfermeiros avança na Europa mas em Portugal médicos são contra
Espanha prepara-se para mudar a lei do medicamento e as alterações incluem alargar a emissão de receitas a enfermeiros e fisioterapeutas. Médicos não aceitam. Ordem dos Enfermeiros quer começar pelas ajudas técnicas, mas projeto ficou suspenso com a queda do Governo.
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Espanha acaba de aprovar um anteprojeto da nova lei do medicamento para aprofundar a prescrição de fármacos por enfermeiros, um caminho iniciado em 2009, e alargá-la aos fisioterapeutas. Na Europa, pelo menos uma dúzia de países têm legislação que permite a prescrição por enfermeiros especialistas, mas em Portugal o tema continua “a ser tabu” e a merecer oposição dos médicos.
Consciente das barreiras, a Ordem dos Enfermeiros (OE) tenta avançar com a prescrição de ajudas técnicas (cadeiras de rodas, andarilhos, oxigénio, entre outros), antes de enveredar pelos fármacos. E até já apresentou uma proposta à tutela, mas o processo ficou suspenso com a queda do Governo.
“É um tema que encaramos como inevitável e necessário”, defende o bastonário da OE, considerando que Portugal está “a desperdiçar competências e a criar frustrações ao nível das intervenções autónomas dos enfermeiros”. Um exemplo gritante, recorda, é o da diretiva europeia de 2005 que possibilita aos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica prescreverem meios de diagnóstico e terapêutica e algum tipo de fármacos no âmbito da vigilância da gravidez de baixo risco. Foi transposta para a legislação nacional em 2009, mas nunca chegou a ser regulamentada.
Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Noruega, França, Holanda e Espanha são alguns dos países onde os enfermeiros estão autorizados a prescrever fármacos. Alguns estão limitados a um conjunto de medicamentos, outros fazem-no com algum tipo de supervisão médica.
Luís Filipe Barreira, bastonário da OE, destaca que os estudos feitos naqueles países concluem que a prescrição por enfermeiros “permitiu melhorar o acesso e reduzir tempos de espera, com os mesmos níveis de segurança”. Considerando que Portugal não pode continuar a tratar este tema como “um tabu”, a OE quer fazer um caminho "sustentado”, começando pela prescrição das ajudas técnicas para depois avançar para os fármacos. “Da parte do Ministério da Saúde temos tido alguma recetividade”, realça o bastonário, garantindo que voltará a insistir no tema com o novo Governo.
Mais competências, perfil igual
Para Manuel Lopes, professor e investigador da Universidade de Évora, “esta discussão devia ter sido feita há 10 anos”. Apesar do atraso, e num momento de campanha eleitoral em que “a conversa é sempre a mesma”, “esta discussão seria extremamente interessante” porque “todos ganhariam” com a prescrição por enfermeiros, defende. O ex-coordenador da reforma dos cuidados continuados lembra que, nas últimas três décadas, nasceram 18 novas profissões na área da Saúde e todas de nível superior. “Os profissionais de saúde têm infinitamente mais competências do que há 30 anos, mas o perfil de competências não mudou”, realça Manuel Lopes.
Em Espanha, os fisioterapeutas também estão consagrados no anteprojeto de lei aprovado. Um passo que, por cá, parece ainda mais longínquo, mas que aqueles profissionais veem com bons olhos. Em resposta ao JN, a Ordem dos Fisioterapeutas nota que o regulamento do ato do fisioterapeuta consagra a prescrição, aplicação e monitorização de todas as intervenções na ciência da fisioterapia. “Ainda que, maioritariamente, essas intervenções possam não lidar diretamente com o medicamento, podem com ele interagir”, refere a Ordem, defendendo também a prescrição de dispositivos de apoios relacionados com a intervenção do fisioterapeuta.
Ato é exclusivo dos médicos, diz Ordem
A Ordem dos Médicos não concorda com o alargamento do ato da prescrição seja a enfermeiros ou outras profissões, como os farmacêuticos ou fisioterapeutas. Aliás, em fevereiro, manifestou “total e absoluta rejeição” a uma proposta do Ministério da Saúde para permitir às farmácias prescrever e dispensar medicamentos sujeitos a receita médica.
Ao JN, o bastonário Carlos Cortes diz que a preocupação principal é a defesa dos doentes e não das profissões. “O diagnóstico e a prescrição são atos exclusivos dos médicos e não são delegáveis”, defende. Sobre a proposta que os enfermeiros entregaram à tutela, que prevê a prescrição de ajudas técnicas, Carlos Cortes mostra mais abertura: “Desde que seja garantido o respeito pelo ato médico e pela segurança do doente, a Ordem dos Médicos está apta a analisar propostas”, refere.