Valter Hugo Mãe: "Partido fascista que temos na Assembleia da República devia ter sido ilegalizado"

O discurso de ódio que campeia não faz deste livro de afetos um manifesto político?

Um manifesto humanista, sim. Estou emudecido com o que está a acontecer. Mais do que perplexo com o facto de as pessoas votarem como votarem, estou zangado. Há uma parte de mim que quer que os americanos se lixem por terem votado dessa forma. Talvez só com a iminente desgraça económica se apercebam da estupidez que cometeram. A perseguição nojenta que estão a fazer a tanta gente… Já se fala até na deportação de norte-americanos. Vão para onde, se são dos EUA? É tudo tão ridículo e desumano que já não são inclinações políticas. São deformações humanas, convicções sobre o que é o projeto humano.

E em Portugal, como vê o aumento de votos da extrema-direita?

Assistimos todos os dias a episódios que estávamos habituados a ver apenas em países distantes. São perturbações graves dos regimes instalados que agora acontecem em Portugal, o tal jardim à beira-mar plantado, do nacional-porreirismo. O que me está a frustrar é a passividade das instituições, que normalizam estes comportamentos. A lei tipifica todos estes crimes. Estamos a assistir à derrocada moral da sociedade e o Governo, presidente da República e tribunais estão a assobiar para o lado, como se não tivessem dado conta. A ilegalização do partido fascista que hoje tem montanhas de cadeiras na Assembleia da República era elementar desde o primeiro instante. Todas as alocuções, gestos, saudações nazis, incitação à violência e racismo são contrários à Constituição.

A Alemanha chegou a ponderar a ilegalização do partido de extrema-direita, que hoje já é o segundo mais votado.

Estamos a deixar passar. Não podemos ser tolerantes com os intolerantes. Nesse caso, a tolerância não faz sentido. Estamos a jogar limpo com alguém que está a jogar sujo. Sabemos que o lado de lá está a fazer batota e nem sequer estamos a fazer cumprir as regras que estão estabelecidas. Não sei se estamos a ficar com a alma lorpa...

Não acha que o momento para ilegalizar esses partidos já passou?

O problema é mais complexo do que sabermos se já é tarde. O meu medo é que as próprias instituições já não sejam capazes de cumprir a lei, porque as suas convicções estão de acordo com a aberração que tem vindo a ser eleita. Se as instituições não estão a funcionar, é porque se identificam com a merda que está a ser defendida por estas ideologias desumanas. Já não é uma questão de tempo. É algo que se tornou endémico e tornou o país refém de um regime que, ainda não sendo maioritário, já tem o país na mão.