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Por vezes bastam vinte e quatro horas para um momento singular nos colocar num lugar, numa ordem ou posição onde devemos estar mais crentes da nossa irrelevância, quase agradecidos, cientes do peso relativo das coisas e da importância dos elementos fundamentais. Por vezes, nem de vinte e quatro horas precisamos quando tudo pode mudar no instante, da noite para o dia, no primeiro piscar de olhos da manhã. As mortes de Diogo Jota e de André Silva não são compreensíveis nem se entendem e, como referia Jurgen Klopp, dificilmente parecem fazer parte de um plano maior. Não podem ser. Como tantos outros momentos, todos os dias, são pedaços entregues para que nos conciliemos com aquilo que acomodamos, não compreendemos, mas que não podemos aceitar.
Nem aceitação nem tempo prometido. Na confusão das prioridades há quem tenha olho por olho a procurar o mal dos outros para fazer justiça dente por dente. O narcisista encontra o mentiroso num só ente quando promete acabar com uma guerra em vinte e quatro horas, meses passados em que se pendura na nomeação para o Prémio Nobel da Paz. Donald Trump aumenta a dívida norte-americana, militariza toda a economia e afasta a classe trabalhadora com baixos salários do acesso à saúde e aos cuidados básicos, abolindo a “Medicaid” em cortes selvagens de 700 biliões de dólares para oferecer uma prenda de cortes fiscais de 235 biliões de dólares aos mais ricos dos mais ricos. Que ausência de moral é esta que fará com que esta geração seja julgada pela História como a mais conivente com a pobreza e a guerra, quando tinha objectivas condições para acabar com ambas? Tempo de acordar de um pesadelo e impedir que os nossos filhos nos julguem por tanta inacção ou silêncio.
Quando não interessa o que se diz, deixa de ser verosímil questionar o resultado da realidade, mesmo global, à escala de tudo e de todos. A promessa de Trump em acabar com a guerra na Ucrânia apenas num dia bateu contra o relógio na primeira hora. A promessa alargou seis meses, para ontem cair por terra quando Putin garante ao presidente norte-americano que não renunciará aos seus objectivos de obter território e soberania “artificial” sobre partes da Ucrânia. Para Trump, esta delonga protege agora a Ucrânia de algo pior, tal como a sua trégua estéril no Médio Oriente protege a Palestina do genocídio de Israel. “É melhor que aceitem”, avisa. Tudo muda da noite para o dia. Menos a tragédia.