O museu não é para pessoas como nós
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Até há pouco tempo, a população menos privilegiada de Cambridge via os museus como territórios inexploráveis. Mesmo numa cidade acima da média em riqueza, a zona leste, habitada na sua maioria por operários, sempre encarou os bastiões da arte com desconfiança. Contudo, a inovadora iniciativa “Dançando no Museu”, do Fitzwilliam Museum, transformou essa perspetiva, desencadeando uma mudança de mentalidade.
A experiência única de integrar movimento e arte estabeleceu uma nova relação sensorial entre as pessoas e as obras de arte, estimulando a saúde física cognitiva, bem como a imaginação e a criatividade. O corpo, antes enrijecido e cansado, adota uma postura mais íntima, movimentando-se ao som da música, em harmonia com as obras de arte. O sucesso desta experiência em Cambridge foi a afirmação de que os museus podem ser refúgios acessíveis a todos, que cultivam estados de alegria e interação imaginativa.
A arte, em todas as suas formas, é uma ferramenta poderosa para a mudança psicológica e, naturalmente, uma forma de psicoterapia. A pergunta inevitável é: como almejamos o bem-estar dos cidadãos sem redefinir a relação entre as pessoas e os museus? A discussão sobre a gratuitidade dos museus na Conferência Internacional de Arte e Saúde levanta a questão crucial: um país comprometido com o bem-estar deve tornar os museus gratuitos?
No Porto, o movimento “Arte pela Arte”, liderado pelo Lionesa Group, com exposições ao ar livre em parceria com instituições de renome, como o Museu Nacional Soares dos Reis, sugere uma solução inspiradora. A arte como lupa sobre o território. A arte que aproxima e absorve os visitantes. Arte que expande o território e o transforma, assim como as pessoas.
A resposta, por agora, pode estar então em levar a arte até onde as pessoas estão.
“Passamos a vida a estudar a inteligência, mas a sociedade é medíocre”, foi assim que Semir Zeki, professor da Universidade de Londres, terminou a conferência “A Ciência da Beleza”, no MAAT. A afirmação de Semir Zeki ressoa como um apelo à ação. Enquanto aspiramos o desenvolvimento do pensamento crítico, a abertura ao conhecimento e à expressão cultural, as barreiras à entrada nos museus persistem como obstáculos. O desafio é claro: ou trazemos a arte para a rua ou levamos as pessoas aos museus. Este é um desafio que não pode nem deve ser assim tão difícil, mas sim uma oportunidade para soluções imaginativas.
A arte é, incontestavelmente, transformadora. Por isso, sejam estes o Museu Fitzwilliam em Cambridge, a arte sacra do cemitério Necrópolis de Cristóbal Colón em Cuba ou mesmo a exposição Lugar Cativo no Porto, precisam de ser mais democráticos, abertos e inclusivos.
Este é um apelo à ação, uma convocatória para que os museus não sejam apenas depositários de arte, mas agentes ativos de uma mudança positiva na sociedade.