Luto, homenagens e a escolha do novo Papa: os próximos passos após a morte de Francisco
Enquanto a Igreja Católica chora a morte do Papa Francisco, nos bastidores dá-se início de imediato a uma série de eventos coreografados, refinados ao longo dos séculos e de centenas de mortes de Papas. Algumas tradições do Vaticano remontam à Roma Antiga, mas Jorge Mario Bergoglio ordenou cerimónias mais simples.
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O Papa Francisco morreu, nesta manhã de segunda-feira, pelas 7.35 horas, um dia depois de ter aparecido em público no dia de Páscoa, durante a tradicional bênção "Urbi et Orbi", perante o olhar emocionado de milhares de fiéis. Francisco não participou nos ritos da Semana Santa por estar ainda em convalescença, após ter passado 38 dias no hospital devido a uma pneumonia bilateral, tendo tido alta em 23 de março. O pontífice, que ficou sentado na cadeira de rodas, desejou uma "Boa Páscoa" e pediu ao mestre de cerimónias que lesse a sua mensagem pascal.
Segundo o protocolo, é função do camerlengo, um alto funcionário do Vaticano, confirmar a morte de um Papa. Atualmente, essa posição é ocupada pelo cardeal Kevin Farrell, nascido na Irlanda. A tradição dita que seja Farrell quem visita o corpo do Papa Francisco e grita o seu nome três vezes para o tentar acordar. Há ainda um mito de que o camerlengo bate suavemente na cabeça do papa com um martelo de prata, mas o Vaticano nega esse procedimento.
Com ou sem martelo de prata, atualmente, este momento é apenas cerimonial, uma vez que os médicos confirmam a morte do pontífice através de meios médicos modernos. A morte de um Papa é também confirmada pelo chefe do departamento de saúde do Vaticano.
O corpo do Papa é vestido com uma batina branca e levado para a capela particular, onde se reúne o carmelengo, membros da família do Papa e outras autoridades. O corpo é colocado num caixão feito de madeira e forrado com zinco. O Papa é vestido de vermelho, com o seu pálio, uma vestimenta litúrgica, e com a sua mitra, ornamento usado como chapéu.
Após a cerimónia, o camerlengo redige um documento que autentica a morte do Papa, afixando o relatório médico. Protege os papéis privados do pontífice e sela os seus apartamentos que, no caso de Francisco, são uma grande parte do segundo andar da Casa Santa Marta, a casa de hóspedes da Cidade do Vaticano usada por cardeais visitantes, onde Francisco viveu durante todo o seu papado.
Depois, o camerlengo informa ao Colégio dos Cardeais, um órgão governante de altos funcionários da Igreja, sobre a morte do Papa antes que a notícia seja anunciada ao Mundo num comunicado do Vaticano aos meios de comunicação social.
Período de luto
A morte do Papa desencadeia nove dias de luto conhecidos como Novendiale, originalmente um costume da Roma Antiga. Itália também costuma declarar um período de luto nacional.
O corpo será abençoado, vestido com vestes papais e exibido na Basílica de São Pedro para visitação pública, onde centenas de milhares farão fila para prestar as suas homenagens, incluindo dignitários estrangeiros e líderes mundiais.
No passado, o cadáver do Papa era exibido numa plataforma elevada chamada catafalco. No entanto, em 2024, Francisco aprovou um funeral simplificado para si mesmo, evitando alguns dos ritos e rituais mais arcanos que ocorrem quando um Papa morre. Assim, o pontífice ficará deitado num caixão aberto sem tanta pompa.
O Colégio dos Cardeais decide o dia e a hora em que o corpo do Papa será levado à Basílica de São Pedro, numa procissão liderada pelo camerlengo.
Historicamente, os Papas eram embalsamados e os órgãos removidos antes do funeral. Uma igreja perto da Fontana di Trevi, em Roma, guarda os corações de mais de 20 Papas em urnas de mármore, preservadas como relíquias sagradas. No entanto, essas práticas caíram em desuso.
Durante o período de luto, serão realizadas celebrações de oração diárias e missas de réquiem (ou seja, de homenagem aos mortos) na Basílica de São Pedro e em todo o Mundo.
Enquanto isso, o Vaticano entrará num período de transição chamado "sede vacante", que significa "o assento está vago", durante o qual a governação da Igreja é temporariamente entregue ao Colégio dos Cardeais, embora nenhuma decisão importante possa ser tomada até que um novo Papa seja eleito.
Funeral
O funeral do Papa será realizado na Praça de São Pedro entre quatro e seis dias após a sua morte. Será celebrado pelo decano do Colégio dos Cardeais, o italiano Giovanni Battista Re, atualmente com 91 anos.
Tradicionalmente, o Papa é enterrado nas Grutas do Vaticano, as criptas abaixo da Basílica de São Pedro. Quase 100 Papas estão lá sepultados, incluindo o Papa Bento XVI, antecessor de Francisco, que renunciou em 2013 e morreu em 2022.
No entanto, numa entrevista em 2023, Francisco disse que queria ser enterrado na basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, uma das suas igrejas favoritas e mais frequentadas, tornando-o o primeiro Papa num século a ser enterrado fora do Vaticano. Além disso, embora Papas anteriores tenham sido sepultados em três caixões (um feito de cipreste, um de zinco e um de olmo, cada um dentro do outro), o pontífice ordenou que fosse enterrado num único caixão, feito de madeira e zinco.
O caixão é fechado na noite anterior ao funeral. O rosto do papa é coberto por um véu de seda branca e é enterrado com uma bolsa com moedas cunhadas durante o seu papado e uma vasilha com um "rogito", ou escritura, que lista brevemente detalhes da sua vida e papado. O rogito é lido em voz alta antes de o caixão ser fechado.
A eleição do novo Papa
Duas a três semanas após o funeral do Papa, o Colégio dos Cardeais reunir-se-á na Capela Sistina para realizar um conclave, o processo altamente secreto de eleição de um novo Papa. A palavra conclave, do latim “com chave”, refere-se ao isolamento que lhes é imposto, desligados dos meios de comunicação e dos telemóveis para bloquear qualquer influência externa, de forma a evitar que o processo eleitoral se arraste.
Em teoria, qualquer católico romano batizado é elegível para o papado mas, nos últimos 700 anos, o Papa sempre foi escolhido do Colégio dos Cardeais. Os candidatos a Papa não fazem campanha abertamente. Os observadores do Vaticano apenas consideram cardeais que têm uma boa hipótese de assumir o cargo de chefe da Igreja Católica. No dia da votação, a Capela Sistina é fisicamente selada e os cardeais, que fazem um juramento de segredo, ficam trancados lá dentro.
Durante o conclave, os cardeais vivem na Casa Santa Marta, que foi construída sob as ordens de João Paulo II para substituir os arranjos improvisados de alojamento no palácio papal que os abrigava anteriormente.
Apenas cardeais com menos de 80 anos podem votar. Cerca de 120 votarão em segredo no candidato escolhido, escrevendo o seu nome numa cédula e colocando-a num cálice no topo do altar. Se nenhum candidato receber a maioria necessária de dois terços, acontece outra ronda de votação. Pode haver até quatro votações por dia.
O conclave que elegeu o Papa Francisco em 2013 demorou cerca de 24 horas e cinco cédulas, mas o processo pode durar mais. Um conclave no século XIII, por exemplo, demorou cerca de três anos.
Depois de as cédulas serem contadas, são queimadas num fogão dentro da Capela Sistina, instalado com antecedência pelos bombeiros do Vaticano. Um segundo fogão queima um produto químico, enviando um sinal de fumo através de uma chaminé: fumo preto significa que ainda não foi selecionado um novo Papa, enquanto que fumo branco significa que já foi eleito o novo pontífice.
E quando o Papa for escolhido?
Depois de o novo Papa ser escolhido, o decano do Colégio dos Cardeais pergunta ao sucessor escolhido se aceita o cargo. Após a aceitação, o decano pergunta-lhe o nome pelo qual deseja ser chamado como Papa.
Depois, um representante do Colégio dos Cardeais lê o anúncio em latim "Habemus papam", que significa "Temos um Papa", da varanda principal da Basílica de São Pedro. Após o anúncio, o Papa recém-eleito, vestido uma batina branca, sai para a varanda para fazer o seu primeiro discurso ao público.
Além de definir os ensinamentos e a moral da Igreja, o papa exerce poder diplomático e político significativo no Mundo, atuando como mediador em conflitos globais e orientando esforços humanitários.
A maioria dos Papas serve até o dia em que morrem. O Papa Bento XVI, que renunciou em 2013, aos 85 anos, devido à sua saúde debilitada, foi o primeiro pontífice a renunciar em 600 anos.