Num mundo digital em que o recurso à inteligência artificial (IA) é rotina diária, os alunos podem preparar-se para os exames nacionais recorrendo aos chats? Podem, responderam ao JN professores. No entanto, para conseguirem boa nota, têm de ter já um profundo conhecimento do uso das ferramentas e da matéria.
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A mudança no ensino e na avaliação é inevitável, garantem professores, o presidente do Conselho das Escolas e uma dirigente da Ordem dos Psicólogos. Há, no entanto, riscos de perda de autonomia e de competências básicas. Por isso, é crucial que os alunos para beneficiarem da IA saibam confirmar a informação, cruzando dados de diversas plataformas, e dominem os assuntos para fazerem perguntas assertivas.
A primeira fase de exames do Secundário arranca esta terça-feira, dia 17 e termina no final do mês. As pautas serão afixadas dia 15 de julho. Este ano há mais alunos inscritos (160680) mas menos mil, em relação ao ano passado, dizem querer seguir para o Ensino Superior. O novo modelo de avaliação aprovado em 2023 já abrange os alunos do 12.º ano que vão ter todos de fazer o exame de Português.
Há alunos, do Básico ao Superior, que já recorrem a ferramentas de IA para pesquisarem informação, fazerem trabalhos, relatórios, composições, apresentações, interpretação de textos ou resolução de problemas. Na preparação para os exames podem tirar dúvidas ou pedir às plataformas que respondam a questões de provas anteriores.
“Desde tirarem dúvidas pontuais a pedirem ao chatbot para resolver o exercício mais complexo de um exame”, aponta Rute Xavier, professora da Católica Lisbon School of Business & Economics, que encara as ferramentas de IA como uma possibilidade de “personalização do ensino”. Os assistentes virtuais, defende, podem tornar-se “explicadores acessíveis” com capacidade para responderem de forma individual às necessidades e ritmo de cada aluno. “Se a industrialização trouxe a massificação do ensino, a IA pode ser um alfaita de alta costura para cada um”, afirma. Mas a adaptação tem riscos, alerta: um aluno que faça uma pergunta generalista no ChatGPT, esse texto vai ter diversas lacunas.
Dalila Durães, professora da Universidade do Minho, concorda que a IA pode “personalizar o ensino”, mas é fundamental, alerta, desenvolver nos alunos competências que têm sido neglligenciadas como o pensamento crítico ou o pensamento ético.
“Estes sistemas não são criativos, por isso, quem se vai destacar é quem tiver a capacidade de pensar fora da caixa”, afirma. Para a também investigadora do Centro Algoritmi, o modelo de avaliação no Básico e Secundário vai ter forçosamente de mudar tal como já está a acontecer em algumas instituições de ensino superior.
“Vai ter que se passar a classificar todo o processo de produção e não apenas o produto final entregue pelos alunos”, defende, considerando que os currículos também terão de ser repensados. Na formação de professores será fundamental a introdução do pensamento computacional e a IA, conhecimentos exigidos para todas as áreas de ensino. Quanto aos alunos em vésperas de exames, Dalila Durães recomenda que se recorreram à ajuda de IA testem em diversos sites a mesma pergunta, por exemplo, ChatGPT, Gemini, Claude ou Digfit. “Os professores vão deixar de ser transmissores de conhecimentos para passarem a orientadores de aprendizagem”, argumenta. A U. Minho, em parceria, com a Porto Editora está a preparar a introdução de conteúdos do 2.º ciclo no chat português Amália, que será um novo passo, na adaptação do sistema de ensino.
“Analfabetos funcionais”
Carmo Oliveira, professora de Português na secundária Aurélia de Sousa (Porto), assume-se uma “adepta da tecnologia”, compra todas as consolas, há anos que faz experiências pedagógicas como reconverter obras em videojogos para estimular a leitura e está a ponderar construir um chatbot, com os alunos, para a gramática. Nos últimos dois anos, confessa, tem ficado cada vez mais receosa desde a proliferação de sites de IA.
Faz jogos narrativos com os alunos. Por exemplo, na análise aos Maias, de Eça de Queiróz, escrito numa lógica determinista de eventos que geram eventos, pediu aos alunos que alterassem um acontecimento e reiventassem assim parte da história. Houve grupos, conta, que fizeram o trabalho integralmente por IA. “Os textos e diálogos estavam muito bons, apesar de ter personagens que não fazem parte da intriga. Mas não foram eles que fizeram. Temo que deixem de construir conhecimento e se tornem analfabetos funcionais. É certo que não conseguimos parar o vento com as mãos, mas os alunos não podem perder a capacidade de leitura, interpretação ou escrita. Há muitos com uma caligrafia horrível porque não têm motricidade fina”, alerta.
“A IA não é um oráculo. Pode ser uma ajuda mas também tem riscos”, alerta Raquel Raimundo. A dirigente da Ordem dos Psicólogos recomenda aos alunos, em véspera de exames, que se mantenham calmos, façam a revisão das matérias, descansem e alimentem-se bem e rentabilizem o tempo para manterem experiências positivas que aliviem os níveis de ansiedade.
O Conselho das Escolas, um dos órgãos consultivos do ministério da Educação, ainda não aprovou um parecer sobre o uso da IA no ensino. Mas há preocupação entre os diretores, assegura António Castel-Branco. A academia Ubuntu está a preparar nas escolas que aderiram ao programa sessões de esclarecimento para alunos, pais e professores sobre as potencialidadas das ferramentes e at,bém os perigos, revela ao Jn o presidente do CE.
Para o diretor também é inevitável a revisão do modelo de avaliação: mais apresentações orais em aula e menos trabalhos de casa que são cada vez menos eles a fazer, diz.
“Não vale a pena esconder a cabeça na areia como a avestruz. Toda a informação está ao alcance do dedo. Os professores vão ter de ter formação e adaptar-se para desenvolverem nas aulas novas atividades”, defende, considerando que o ministério pode emitir orientações que cada agrupamento deve poder adaptar ao seu contexto específico.
“Pode ser ótimo desde que os alunos usem a IA para aprender e não para os substituir nesse processo”, alerta.
Saiba mais sobre inteligência artificial
O que é a IA-inteligência artifical?
A IA é um ramo da ciência da computação que procura criar sistemas capazes de imitar a inteligência humana. Esses sistemas podem aprender, resolver problemas, tomar decisões e realizar tarefas de forma autónoma.
Dar ordens por “prompts”
Uma “prompt” é o comando que se dá a um modelo de inteligência artificial, como o ChatGPT, para que ele execute uma tarefa específica. Pode ser uma pergunta simples, uma descrição detalhada ou um conjunto de regras que guiam a IA a criar um conteúdo, como um texto, imagens, códigos ou músicas.
Chatbots sempre disponíveis
Um chatbot é um programa de computador (software) que simula uma conversa humana, seja por texto ou voz. São os assistentes virtuais que podem ser usados para diversos fins, desde o atendimento a clientes, ao entretenimento ou esclarecimento de dúvidas.
Para que servem os algoritmos
Um algoritmo é uma sequência finita de instruções ou passos que são executados para resolver um problema ou realizar uma tarefa específica. Pode ser uma receita, um cálculo matemático, um programa de computador ou até mesmo uma série de passos para completar uma tarefa diária.
Ajuda nos textos e na gramática
Além do ChatGPT, o Jasperi.ai também cria conteúdos escritos a partir de comandos, o MidJourney cria imagens a partir de descrições textuais, o Grammarly é uma ferramenta de escrita para ajudar na gramática, escrita e ortografia.
PLN para resolver problemas
Ferramentas de PLN (programação neurolinguística) como o Gemini, o Claude ou Bing Copilot permitem o upload de imagens ou PDF para se colocar questões sobre o seu conteúdo. Por exemplo: pedir ao assistente que demonstre todos os passos da resolução de um exercício matemático.
Ajuda para professores
O sistema Proesc é um dos recursos para o ensino, pode automatizar processos pedagógicos e administrativos ao nível do registo da avaliação dos alunos ou da gestão escolar.

