O Supremo Tribunal de Justiça confirmou recentemente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que condenou a CP - Comboios de Portugal a pagar 20 mil euros de indemnização a uma passageira que foi atingida no joelho por uma porta quando subia para um comboio que partia de Campanhã, no Porto, com destino a Santarém.
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Segundo o acórdão de 6 de fevereiro, a que o JN teve acesso, os juízes conselheiros Maria Clara Sottomayor, Maria João Vaz Tomé e Pedro de Lima Gonçalves concluíram que o valor encontrado pela segunda instância para a indemnização "não é desadequado" e que, por isso, "não existem razões para o alterar".
"Atendendo a que no presente caso a autora sofreu de incapacidade temporária absoluta durante cerca de três meses e deixou de trabalhar durante quatro, tendo andado de canadianas durante vários meses e teve dores intensas no momento do acidente que se prolongaram no tempo, impedindo-a de dormir e gerando depressão e angústia por não conseguir trabalhar e ser autónoma, não se afigura que a indemnização de 20 mil euros seja suscetível de violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade, tendo em conta também a taxa de inflação verificada entre 2022 e 2024 e a subida do custo de vida", sustentaram os juízes conselheiros.
O caso remonta a 9 de junho de 2017 quando a passageira, ao subir do primeiro para o segundo degrau da carruagem, agarrou-se aos dois puxadores metálicos da porta, tendo esta cedido e batido "fortemente" no seu joelho esquerdo. Nessa altura, a passageira teve dificuldades em deslocar-se até ao seu lugar e queixou-se ao revisor, mas este não lhe deu grande importância. Quando o comboio estava a chegar perto de Santarém, teve mesmo de ligar a dois amigos, que viviam nas Caldas da Rainha, para que a fossem buscar ao interior da carruagem, pois já não conseguia andar e sair.
Seguiram-se limitações na sua mobilidade durante, pelo menos, quatro meses, que a impediram de trabalhar, tendo a mulher avançado para a Justiça, exigindo que a CP lhe pagasse as despesas médicas e medicamentosas e ainda 150 mil euros por danos não patrimoniais.
O tribunal de primeira instância julgou parcialmente procedente a ação e fixou a indemnização em apenas cinco mil euros, acrescidos de juros de mora. Mas as duas partes recorreram.
A empresa de transporte ferroviário reiterava que a passageira se tinha magoado sem que tenha havido intervenção de terceiros. Alegava ainda que o acidente ficou a dever-se, "unicamente, à sua manifesta incúria e inconsideração", pelo que lhe cabia a "exclusiva culpa”. Entendimento diferente tiveram os juízes desembargadores que consideraram que a CP cumpriu "defeituosamente" o contrato de transporte que celebrara com a mulher. "Ora, a ré/apelante nunca providenciou nem diligenciou para que as portas de acesso às carruagens dispusessem de um mecanismo que impedisse a sua movimentação quando sujeitas a esforços, pese embora não ter havido qualquer registo de anomalias das mesmas e estarem licenciadas para o serviço comercial", lia-se no acórdão da Relação, que subiu para 20 mil euros o valor da indemnização.
Mas a CP recorreu e, na mais recente decisão conhecida, o Supremo mantém aquele valor, recordando que a autora terá ainda de ser operada ao menisco, deixou de trabalhar, teve de suportar tratamentos e perdeu autonomia e alegria de viver, padecendo de depressão e de angústia em virtude do acidente.
"Neste quadro fáctico, sendo um dos critérios fixados na lei, a situação económica do lesante e a do lesado, não se afigura haver qualquer motivo atendível, por exemplo, a circunstância de a culpa da ré ter sido presumida, para baixar a indemnização, dado estar em causa o poder económico de uma grande empresa versus uma cidadã que auferia à data do acidente um rendimento mensal inferior ao salário mínimo", concluíram os juízes.