
Estrela Novais em "A noite da iguana"
Gustavo Bom/Global Imagens
Atriz morreu aos 70 anos, durante o sono esta madrugada. Deixa um legado de dezenas de novelas, peças de teatro e filmes, além de centenas de alunos que lhe passaram pelos ensinamentos.
Estrela Novais nasceu a 13 de março de 1953 no Porto e foi uma das fundadoras do Seiva Trupe, juntamente com António Reis e Júlio Cardoso. A atriz participou em diversas séries e novelas portuguesas, destacando-se "Olhos de Água", "Dei-te Quase Tudo" ou "Belmonte". Estudou em Itália, foi aluna de Dario Fo e roubou-lhe a energia, dizia. Todas as homenagens destacam as cartas e os bilhetes com incentivos, sobretudo aos seus alunos para quem era uma mãe, apesar de nunca ter tido filhos.
"Sou extremamente leal, frontal e acho que mantenho o meu caráter de fundação do Porto. Isso é, aliás, uma das coisas que gosto do Porto, porque é uma cidade com caráter, as pessoas sabem o que querem e quando não gostam de uma coisa não gostam", disse em entrevista, em 2008.
Segundo Ricardo Castro, Estrela Novais lutava contra um cancro, embora evitasse falar do assunto para não preocupar os mais próximos. "Ela ia começar tratamentos para um cancro, mas faleceu a dormir, durante esta madrugada, em casa", contou o ator Ricardo Castro, em exclusivo à TV7 Dias. "Desconfio que tinha cancro na laringe, desconfio que sim. Ficou sem voz, já tinha ido ao IPO".
Como revelava numa entrevista a um grupo de estudantes da Universidade Autónoma de Lisboa, em 2018, adorava viver:" Adoro ouvir o cantar dos pássaros, os miúdos a correr, ver o mar e ter saúde! E dos afetos, dos amigos e das pessoas. Gosto muito de pessoas. Todos os dias descobrir algo, todos os dias ter motivação. E a minha motivação é viver. Viver sempre, até agora. Mesmo em momentos maus, eu nunca desisto porque nós também somos necessários aos outros". Por isso mesmo terá optado por não revelar que padecia da mesma doença que vitimou o marido, Carlos Lacerda em 2019, com quem partilhou a vida durante 33 anos.
O bichinho do teatro
A atriz viveu uma parte da infância até aos seis ou sete anos, em Monção. Nessa altura fez a sua primeira apresentação, na quarta classe com “Asas Brancas” de Almeida Garret. A apresentação foi um êxito e nesse dia instalou-se o bichinho do teatro. Continuou os estudos com o ensino secundário na escola industrial e comercial em Vila Nova de Gaia. Como revelou: "na disciplina de francês escolhia um texto naquela língua e punha as minhas colegas todas a representar".
"Depois apareceu a televisão e à quinta-feira havia uma rubrica de teatro com atores portugueses que eu queria sempre ver. O meu pai não queria que eu visse, porque aquilo acabava tarde e no dia seguinte tinha escola. Eu dizia-lhe que não adormecia para poder ver e acabava por adormecer, claro, mas eu era fascinada", e foi nessa mesma caixinha mágica que se tornou parte da família de todos os portugueses. Na televisão trabalhou em 44 novelas dos três canais desde "D. Preciosa" na Ferreirinha, "Conceição" em "Dancin´Days" , nove longas-metragens no cinema e dezenas de peças de teatro, a sua grande maioria na Seiva Trupe.
Aos 14 anos era claro que queria ser atriz, mas a sua intenção era formar-se primeiro e só depois ser atriz. Mas, tudo se antecipou porque, aos 17 anos estreou-se no Teatro Experimental do Porto (TEP), com "Bodas de sangue" de Federico García Lorca "Em oito dias apareci em palco e não tinha experiência nenhuma. O que funcionou foi a minha intuição. Estava muito nervosa claro, mas eu continuo a estar sempre nervosa antes de qualquer trabalho, mesmo em televisão. Acho que isso tem até aumentado com os anos porque o público é mais exigente e já pede mais de nós", comentou em entrevista em 2018.
Foi no Porto que começou a sua carreira e inicialmente só ia a Lisboa para estar pontualmente na televisão. Acabou por estar no Porto até aos 36 anos, onde fundou com apenas 20 anos, a 11 de setembro de 1973 a Seiva Trupe, juntamente com Júlio Cardoso e António Reis (falecido em 2022). Sobre esse processo contou : "Comecei por ser relações públicas e era muito interessante porque eu ia às terras de comboio “vender” uma coisa que nem sabia o que era. Eram situações caricatas porque era raro vir sem um contrato fechado, sem “vender” a companhia" e assim instituiu em inúmeras localidades onde não havia qualquer atividade cultural, a presença da Seiva Trupe.
Aos 27 anos conseguiu uma bolsa para ir estudar para a Accademia Nazionale di Arte Drammatica Silvio D’Amico, em Roma. Naqueles que assegurou serem os três anos melhores da sua vida. Estudou o curso de encenação, "conheci pessoas maravilhosas que ainda hoje são minhas amigas e mantenho o contacto. Tive grandes mestres e mestras a quem devo muito do que sei. Apaixonei-me pela literatura italiana e por Itália, que acho que é a minha casa", contou à revista "Viva", em 2008 . Ali teve como mestre Dario Fo de quem roubou "a energia, porque ele tinha uma energia imensa".
De todas as personagens teatrais a sua preferida era "Medeia", mas como gostava de citar : "há sempre uma bruxa para fazer, já dizia Elizabeth Taylor".
Trabalhou durante muitos anos como professora e tinha os seus alunos preferidos como o próprio Ricardo Castro e Maria Gil : "Sim, há aí uma geração muito boa de atores. Estão sempre a aparecer rapazes e raparigas cheios de talento. O teatro nunca morre".

