Na televisão, sobretudo em dias de foco mediático na Jornada Mundial da Juventude, são breves segundos. Para quem vigia as chamas e defende a sua própria casa, são longas e inquietantes horas. O fogo é um inimigo traiçoeiro. Ora progride lentamente, iludindo e parecendo perder força, ora vira ao sabor dos ventos e come dezenas de quilómetros em poucas horas. Foi assim na primeira noite de incêndio no concelho de Proença-a-Nova.
No país que cabe pouco nos telejornais, que sofre as consequências do abandono e do desordenamento florestal, conhece-se o som e o cheiro de uma noite em vigília. O barulho dos carros de bombeiros em constante movimento, os ruídos das comunicações e as indicações de comando reajustando posições, a noite iluminada de laranja vivo, o vento forte e crepitante formado pelas chamas quando se aproxima a frente de fogo.
No país que só é notícia quando há tragédias, percebe-se na hora delas o quanto temos falhado e andado demasiado devagar no programa Aldeia Segura. Pessoas evacuadas de casa foram deixadas de noite em plena rua, no centro das aldeias, sem que fossem ativados locais de abrigo. É em formação e proteção pessoal que mais precisamos de investir à medida que se preveem incêndios cada vez mais devastadores. Proprietários e moradores desalentados têm dificuldade em perceber que em muitos momentos se deixe arder, mas privilegiar sempre a vida (sem esquecer a de quem combate) e pensar estrategicamente em locais onde segurar o fogo é a única opção possível em terrenos desordenados e inacessíveis.
Mas no país que sente o fogo na pele, tão pouco representado politicamente e tantas vezes abandonado, um incêndio de grande dimensão é também um momento de resiliência e reforço do sentido de comunidade. É o nó na garganta enquanto se ouvem as comunicações dos bombeiros e as mensagens partilhadas com os amigos espalhados pelo território em perigo. É a entreajuda entre vizinhos, a partilha de recursos, a solidariedade descarregada no quartel em forma de água, leite e barritas.
É a multidão de voluntários que se junta em várias frentes, no terreno e na logística, preparando incessantemente kits de alimentação para as corporações. A meio da tarde preparam-se 800 lanches. Quando ainda só estão 360, uma voz animada ecoa pelo espaço. “Vamos lá, malta, já faltam menos de 500!” E logo a seguir o ciclo recomeça, com mais 850 para jantar.
O país resiliente está todo espelhado no João Manuel, de apenas 7 anos, incansável a ajudar a carregar sacos e caixas de água. É o olhar que sorri inteiro nele, quando corre para o pai Miguel a chegar do fogo, para se alimentar e voltar à luta. Negro de fumo, mas reforçado por um abraço onde cabe a esperança de quem nunca se verga.

