A Europa está a tentar utilizar as emissões e os resíduos da vinificação para novos produtos que vão desde a alimentação animal a alternativas aos antibióticos.
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Em Palmela, região vinícola perto de Lisboa, Miguel Cachão está concentrado num aspeto invulgar da vindima de outono.
Está a desenvolver uma tecnologia para que as adegas captem o dióxido de carbono e o utilizem para cultivar algas. O CO2, produzido quando o sumo de uva fermenta, pode cultivar uma alga de água doce rica em nutrientes chamada chlorella, que tem utilizações na alimentação animal, cosméticos, suplementos alimentares e produção de vinho.
Motivos económicos, culturais
Os viticultores de toda a Europa enfrentam a dupla pressão das condições meteorológicas causadas pelas alterações climáticas e pelo aumento da concorrência externa. Em Portugal, as receitas suplementares da indústria vinícola teriam também um significado cultural.
"É uma parte muito importante das vidas das pessoas, por isso, mesmo que uma vinha não seja grande ou rentável, é importante que continue a produzir", afirma Cachão, engenheiro agrónomo na Associação de Viticultores do Concelho de Palmela. De acordo com um estudo de 2021, os portugueses bebem mais vinho por pessoa do que qualquer outra pessoa no mundo. As comunidades do país têm uma forte ligação com as suas vinhas locais que remonta a gerações. A própria UE é o maior produtor de vinho do mundo, representando quase metade das áreas vitícolas mundiais em 2020. Portugal, com os seus famosos tintos encorpados do Douro e os brancos frescos de Vinho Verde, é o quinto maior produtor de vinho da Europa.
Encontrar uma fonte de rendimento adicional pode salvar as adegas europeias do encerramento.
Lucros de algas
Cachão lidera um grupo de investigação que recebeu o financiamento da UE para ser pioneiro na técnica da utilização de CO2 para cultivar chlorella em adegas. A chlorella é um tipo de alga verde cujas qualidades de fotossíntese a tornam uma fonte de alimento e energia. É também rica em antioxidantes úteis para a indústria cosmética.
A chlorella necessita de CO2, luz solar e água para crescer. Converte a luz solar em energia química necessária para produzir hidratos de carbono, proteínas e outros compostos.
O processo pode gerar mais de 15 milhões de euros por ano para uma adega com um volume anual de, pelo menos, 7 milhões litros de vinho, o montante de um grande produtor europeu.
De acordo com o projeto, poderia também reduzir as emissões de gases com efeito de estufa dos produtos de vinho em, pelo menos, 30 %. Denominado REDWine, decorre durante quatro anos até ao final de abril de 2025 e é parte de uma iniciativa da UE e da indústria, denominada Empresa Comum para uma Europa Circular de Base Biológica ou EC CBE.
A primeira unidade de demonstração estará pronta no final de 2023, de acordo com Cachão, que coordena o REDWine.
Será construída a cerca de 100 metros de uma adega local. Um tubo transportará o CO2 das cubas de fermentação das uvas da adega para a unidade de compressão. O CO2 será então liquidificado para armazenamento e estará pronto para utilização no cultivo de chlorella.
"A minha esperança é que consigamos demonstrar que é viável para adegas de todas as dimensões: pequenas, médias e grandes", afirma.
Algumas adegas na Europa e noutros lugares já captam o CO2 e utilizam-no para proteger as suas uvas recém-colhidas da oxidação, um processo que pode afetar a cor e o aroma finais do vinho. Também o convertem em carbonato de cálcio para reduzir a acidez do solo.
CO2 retido
Segundo Cachão, com ambos estes processos, o CO2 acaba por voltar à atmosfera.
"As algas retêm o CO2 de forma importante", disse.
O REDWine inclui 12 empresas e outras organizações em seis países: Alemanha, Espanha, França, Irlanda, Países Baixos e Portugal.
As empresas participantes incluem a Algama, fabricante francês de alimentos à base de algas, e a Lipotec, com sede em Espanha, especialista de ingredientes ativos para cosméticos.
Peles e grainhas
Outros elementos potencialmente úteis na vinificação são os restos de uvas prensadas: as peles, a polpa e as grainhas.
Estão cheios de substâncias químicas naturais que protegem as uvas dos danos provocados pelo sol e pelas pragas.
As peles, polpa e grainhas da uva oferecem a perspetiva de alternativas saudáveis aos antibióticos. Um projeto financiado pela UE, denominado NeoGiANT está a desenvolver terapias naturais para ajudar a reduzir a utilização de antibióticos nas explorações animais e piscícolas.
O projeto reflete as preocupações crescentes de que a resistência aos antibióticos nos animais e nas pessoas está a aumentar como resultado da sua utilização excessiva na pecuária e aquicultura.
"A sua utilização em animais saudáveis para prevenir doenças e infeções, e não apenas como tratamento, resultou num dos maiores problemas da atualidade: a resistência aos antibióticos", afirma Marta Lores, professora de química analítica na Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha.
Substitutos dos antibióticos
Marta Lores coordena o NeoGiANT, que decorre durante quatro anos até setembro de 2025 e reúne universidades, institutos de investigação, representantes do setor agrícola e empresas de nove países.
Os parceiros provêm da Bélgica, da República Checa, da Alemanha, da Hungria, da Polónia, de Portugal e de Espanha e, fora da UE, da Argentina e do Reino Unido.
A resistência microbiana ocorre quando as bactérias, os vírus, os fungos e os parasitas mudam ao longo do tempo e deixam de responder aos medicamentos, tornando as infeções mais difíceis de tratar e aumentando o risco de propagação da doença, de doença grave e de morte, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Os investigadores do NeoGiANT estão a extrair antioxidantes e eubióticos, aditivos que melhoram a saúde intestinal dos animais, para utilizar nos alimentos para animais. O objetivo é tornar os animais mais resistentes a infeções e doenças.
"Podemos extrair este arsenal de compostos e fazer produtos úteis a partir deles", disse Lores.
Os resíduos de uva estão também a produzir tratamentos para algumas doenças animais mais comuns, incluindo a mastite, uma inflamação da glândula mamária, nas vacas, a diarreia pós-desmame nos porcos e uma doença de pele chamada epidermite exsudativa em leitões. São atualmente tratadas com antibióticos.
Além disso, o projeto visa substituir os antibióticos por extratos antimicrobianos nos extensores de sémen. Trata-se de conservantes que prologam a vida do sémen recolhido para inseminação artificial na pecuária.
Se todos estes compostos forem bem-sucedidos, 12 novos produtos estarão prontos para o mercado no final do projeto.
Lores prevê que a maioria dos produtos planeados sejam bem-sucedidos. No entanto, afirmou que, mesmo que o total acabe por ser inferior a uma dúzia, o esforço de investigação terá valido a pena.
"Se apenas um dos produtos for comercializado, tal significa que serão utilizados menos antibióticos", afirma Lores. "No final, todos beneficiarão. Quanto mais saudável for o gado, mais saudáveis serão os alimentos que os humanos consomem."
A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Os pontos de vista dos entrevistados não refletem necessariamente os da Comissão Europeia.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.