Pode ter sido uma distração, mas não surgiu por acaso. A declaração do chefe de gabinete do secretário-geral da NATO, admitindo um cenário de cedência de território ucraniano à Rússia, em troca da paz e de uma adesão célere à Aliança Atlântica, tem um contexto: já vamos em ano e meio de guerra, com um país parcialmente destruído e milhares de mortos, ganha força o receio de que a Ucrânia seja incapaz de empurrar o invasor para lá das suas fronteiras. Ou que, para o conseguir, o preço a pagar, em vidas humanas, seja demasiado elevado.
Para Zelensky, é um assunto tabu. O seu país e o seu povo foram submetidos a um nível de violência que não se testemunhava na Europa desde a II Guerra Mundial. Uma invasão protagonizada por um regime autocrático, nacionalista e xenófobo. Com militares que não respeitam as leis da guerra e atacam de forma indiscriminada - a última estimativa da ONU aponta para nove mil civis mortos, incluindo centenas de crianças. Em resultado dessa violência desenfreada, estimava-se, há uns meses, que seriam necessários 400 mil milhões de euros para reconstruir a Ucrânia.
Não há dúvidas sobre a superioridade moral dos ucranianos. Como não há dúvidas sobre o perigo de negociar um acordo favorável às pretensões de Putin, o líder de um regime terrorista (é só recordar Bucha e as outras cidades onde houve centenas de execuções sumárias).
Mas, apesar disso, a NATO verbalizou o que já se discutia em segredo. E é possível que a Ucrânia se veja de facto obrigada a negociar. Mas mantém-se válido que são os ucranianos quem tem de decidir o seu destino. São eles que vivem debaixo das bombas e da metralha. São deles as vidas que se perderam. Foram eles que demonstraram coragem e vontade de se afirmar como povo e como nação. O direito internacional está do seu lado. São eles que terão de ditar os termos da paz e decidir qual é o momento para a fazer. Ao mundo democrático e aos seus organismos coletivos compete ajudar como puderem. E evitar desabafos que só dão oxigénio ao czar de todas as Rússias.

