Hipermercado também despediu mulher por receber "selos" de cliente. Tribunais desvalorizam infrações.
Corpo do artigo
Um hipermercado de Bragança despediu uma trabalhadora por esta ter comido um croissant já retirado da prateleira e por ter recebido selos de uma campanha promocional sem ter feito as respetivas compras. Mas o Tribunal de Trabalho local anulou a sanção disciplinar, concluindo que nem os selos - que faziam parte de uma campanha de oferta de facas aos clientes - nem o croissant eram suficientes para a demissão. Uma decisão agora confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães (TRG).
“Se é certo que a honestidade na relação laboral é insuscetível de gradações, precisamente porque qualquer comportamento desonesto é apto a quebrar a confiança que o empregador tem no trabalhador (ou vice-versa), não é menos acertado que o preenchimento desse conceito tem de efetuar-se segundo critérios de razoabilidade”, concluiu o TRG.
Na primeira instância ficou provado que a funcionária, do setor das frutas e legumes, recebeu, entre outubro e dezembro de 2021, selos de uma cliente, os quais, por sua vez, lhe teriam sido dados por uma outra trabalhadora. Também se provou que a funcionária se apropriou de um croissant, de um euro, e comeu-o sem o registar e pagar.
Empresa sem prejuízo
Derrotada no tribunal de primeira instância, a empresa recorreu, alegando que a trabalhadora “estava proibida de receber gratificações de clientes, em dinheiro ou géneros, ou seja, não podia aceitar os selos, porquanto não realizou compras no montante que lhe atribuía o direito a recebê-los”.“Este comportamento colocou em causa a confiança que a empresa depositava na funcionária”, argumentou a superfície comercial.
Apesar disso, os juízes desembargadores da Relação decidiram que, “mesmo que se aceitasse que ambos os blocos de factos (os reportados aos selos/cadernetas e os referentes ao croissant) integram infrações disciplinares, nenhuma delas, pela sua gravidade e consequências, tornam impossível a relação de trabalho”.
Quanto ao croissant, assinalou o TRG, “afora a trabalhadora ter quebrado o procedimento instituído ao não solicitar autorização à chefia para o comer antes de ser registada a respetiva quebra, não fez nada que outros colegas não fizessem, e não deu prejuízo”.
A Relação concluiu, ainda, que houve “uma infração de reduzida gravidade e uma culpa diminuta da trabalhadora”. Lembrou, de resto, que os bens perecíveis que estão no carrinho das quebras são retirados dos locais de venda pelos operadores das secções e, por não terem sido vendidos nos prazos definido pelo hipermercado, destinam-se a ser consumidos pelos funcionários, doados a instituições ou deitados ao lixo.
Ao desvalorizar também as imputações sobre os selos, a Relação de Guimarães observou que nem se provou que a funcionária tivesse obtido as facas a que os mesmos davam direito.