O Estado traiu a Ciência
Corpo do artigo
Após leitura da resposta do Gabinete do Ministro da Educação, Ciência e Inovação à carta das Unidades de I&D com classificação de Muito Bom (MB), importa sublinhar:
1. Mérito penalizado. O Ministério destaca que 75% das unidades foram classificadas como Excelente ou MB, mas as com MB veem o financiamento por investigador reduzido a 31% do ciclo anterior – uma quebra real de 25%. Num sistema que proclama premiar o mérito, este corte é incompreensível e desincentivador. As unidades MB têm mérito e a prova é que asseguram programas de doutoramento, como as excelentes!
2. Aumento orçamental ilusório. Embora se fale em reforço global (com verbas do PRR), o financiamento-base das unidades com MB diminuiu. Trata-se de uma redistribuição para outras áreas, como reequipamento, que não cobre as necessidades operacionais, comprometendo a sustentabilidade.
3. Escalonamento desproporcionado. O MB passa de 80% para 25% do valor de Excelente. A mudança, imposta sem qualquer aviso, é inconcebível: não premeia o mérito, bloqueia a progressão e torna o sistema dual.
4. Falta de transparência. As unidades não foram informadas da nova lógica de financiamento. Alterar os efeitos financeiros após a entrega de candidaturas e planos é um atropelo à previsibilidade e à confiança institucional.
5. Assimetrias regionais agravadas. Em áreas como Economia e Gestão, todas as unidades excelentes estão em Lisboa. Agravam-se as gritantes desigualdades territoriais.
6. Financiamento distorcido pelo número de investigadores. Unidades que incluíram quase todos os docentes das suas escolas são beneficiadas; outras, mais rigorosas, são penalizadas. O modelo favorece práticas oportunistas e desvaloriza a integridade científica.
7. Flexibilização sem efeito real. Medidas como “buy-out” ou cofinanciamento de carreiras são irrelevantes com um financiamento-base tão reduzido.
Em suma, a resposta do gabinete do ministro procura legitimar politicamente um modelo tecnicamente desequilibrado, eticamente reprovável e financeiramente insustentável. Ignora os alertas da comunidade científica e as consequências de um sistema que desvaloriza o mérito e aprofunda desigualdades. Pior ainda, ao invocar a autonomia das instituições de Ensino Superior para se eximir de responsabilidades, assume uma postura de abandono perante a crónica escassez de recursos no Ensino Superior. Inaceitável.