Detida há mais de um ano na Hungria, por suspeita de agressões a neonazis, a italiana Ilaria Salio deverá ser eleita para o Parlamento Europeu na lista da Aliança dos Verdes e da Esquerda e reconquistar, dessa forma, a sua liberdade. Um caso que gerou tensões diplomáticas entre os governos italiano e húngaro.
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A professora de 40 anos foi detida na sequência de confrontos ocorridos a 11 de fevereiro de 2023, em Budapeste. Nesse dia é já uma tradição que se organize uma marcha da extrema-direita que comemora a tentativa (falhada) das forças nazis e dos seus aliados húngaros para escaparem ao cerco do Exército Vermelho (da então URSS), em 1945, nos meses finais da II Guerra Mundial. Chamam-lhe o “Dia de Honra da Hungria”.
Para contrariar a marcha neonazi, é também habitual que ativistas antifascistas de vários países da Europa se concentrem em Budapeste, na mesma altura. No ano passado, as “comemorações” e os “protestos” terminaram com uma série de detenções. Uma das pessoas detidas foi Ilaria Salio, por suspeita de se ter envolvido em agressões a elementos da extrema-direita. Mesmo que os alegados agredidos nunca tenham apresentado queixa na Polícia, a professora italiana é acusada, pelo Ministério Público húngaro, de tentativa de homicídio.
Algemas e correntes
O caso agitou naturalmente a política do país de origem de Ilaria. E em particular quando foi presente a tribunal algemada e controlada com correntes. O ministro dos Negócios Estranheiros, Antonio Tajani, chamou o embaixador húngaro em Roma e foi contundente: “desta vez, a Hungria foi longe demais”. Certo é que a professora continuou presa e o seu julgamento até já teve início.
O caso chamou a atenção de pelos menos dois partidos e coligações italianos. O Partido Democrático Italiano (da família dos Socialistas europeus), que ponderou convidá-la para candidata às europeias, e a Aliança dos Verdes e da Esquerda (AVS), que levou a melhor fez de Ilaria a cabeça de lista pelo círculo do Noroeste (em Itália há vários círculos eleitorais e não apenas um círculo nacional, como, por exemplo, em Portugal).
Percebe-se agora, a poucos dias das eleições, que a ativista tem de facto hipóteses reais de ser eleita e, dessa forma, conquistar a imunidade parlamentar (a Hungria, embora às vezes não pareça, dados os sucessivos atropelos ao Estado de Direito, faz parte da União Europeia) e, por essa via, a sua liberdade.
Sondagens sugerem eleição
De acordo com a última sondagem da Ipsos para o Corriere della Sera, a Aliança dos Verdes e da Esquerda está com 4,6% das intenções de voto a nível nacional (seis décimas acima do patamar mínimo de 4% que a lei eleitoral italiana impõe), prevendo-se que eleja quatro deputados no futuro Parlamento Europeu.
Quem lidera a sondagem são os Irmãos de Itália, da primeira-ministra e cabeça de lista Giorgia Meloni, com 26,5% (partido da direita radical populista que passaria de seis para 22 deputados), seguindo-se o Partido Democrático, de centro-esquerda, com 22,5% (19 deputados), o Movimento 5 Estrelas, com 15,4% (13 deputados que não estão filiados em nenhuma família política europeia), a Força Itália, de centro-direita, com 9,2% (sete deputados), a Liga de Matteo Salvini, outro partido da direita radical populista, com 8,6% (passaria de 29 para sete deputados) e a coligação “Estados Unidos da Europa”, com 4,1% (três deputados).
Se a nível nacional a eleição de deputados da aliança entre ecologistas e esquerdistas parece assegurada, também ao nível regional as perspetivas são relativamente otimistas para Ilaria Salio. No círculo eleitoral do Noroeste, as sondagens atribuem-lhe 4,4%, o suficiente para eleger a cabeça de lista. O sonho de se libertar das masmorras húngaras parece próximo.
Ameaça de morte na forca
A família de Ilaria, em particular o pai, Roberto Salis, tem feito campanha para denunciar as condições “degradantes” da prisão onde a filha esteve detida (há poucas semanas foi-lhe finalmente permitido ficar em prisão domiciliária, a troco de uma fiança de 40 mil euros) e o perigo que representa continuar na Hungria.
Já este ano, em dia de nova celebração neonazi, de novo a 11 de fevereiro, foi pintado um mural nas ruas de Budapeste em que, para além de se glorificar as tropas nazis alemãs e húngaras, se manifestava o desejo de ver Ilaria morrer pela forca. “É muito perigoso para a minha filha continuar na Hungria”, alertou um desesperado Roberto Salis, pedindo que pelo menos a deixem cumprir pena, se for o caso, numa prisão italiana.