The Prodigy desfilaram hits com a habitual garra, uns Blur mais descontraídos do que nunca fecharam em festa a tour europeia, os Yeah Yeah Yeahs mataram saudades mas deixaram mais ainda e os Metronomy agradeceram a Lisboa e à lua.
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Como muitas vezes acontece na vida, às vezes o inesperado ou improvisado acaba por ser o melhor. Os Blur foram uma adição surpresa ao cartaz da 2.ª edição do Meo Kalorama, uma banda anunciada quando o alinhamento já estava fechado, uma oportunidade à qual a organização admitiu não resistir. Foi também a banda que terá chamado mais gente ao primeiro dia do festival, que mais público juntou no palco principal e que deu um dos concertos mais marcantes- embora não fosse o único memorável – da noite.
A banda de Damon Albarn foi recebida em apoteose por um mar de gente, que se acumulava junto ao palco Meo esta quinta-feira, 1.º dia do 2.º Kalorama, pelas 22 horas. Cedo se percebeu como nesta nova vida os Blur parecem estar ainda mais soltos e descontraídos do que nunca, quase como se se estivessem a divertir mais. Ou talvez seja aquela energia pueril que sempre os caracterizou e que, contra todas as expetativas, parece ter envelhecido bem. Prova de como chegaram a esta fase num ponto alto é o disco “The Ballad Of Darren”, o 9.º álbum de estúdio editado este ano, que é assumidamente um trabalho mais maduro e sobre temas como a meia idade, a pandemia, as relações, os erros e as perdas – e um belíssimo disco tal como é.
Ao vivo, tudo se mistura um pouco - essa meia idade com a postura e sorriso traquina de Albarn, os temas mais sérios e críticos que no fundo sempre estiveram nas letras com a postura de “boys next door” britânicos onde o fato de treino é farda e o pub uma segunda casa. Tudo entrelaçado, como no alinhamento desta quinta-feira, e somos levados num carrossel, entre os erros do presente como no primeiro tema, “St. Charles Square”, a inocência do passado, os altos e baixos, o pop contagiante e de fácil consumo, a música mais introspetiva, a nostalgia.
Particularmente conversador e descontraído, Albarn agradeceu sucessivamente ao público, que visitou várias vezes na plateia, explicou como tinha ido ao Museu da Marioneta (dito em português) e adorado, agradeceu a receção, elogiou o local – “este é nosso último concerto do verão e que sítio maravilhoso para estarmos” frisou – tudo entre num alinhamento logo de começo alucinante, que trouxe depois de “Popscene” temas como “Beetlebum”, “Goodbye Albert”, “Coffee & TV”, “Country House” ou “Parklife” – “all the people, so many people” como o mar de gente ali para os ver.
Um alinhamento de sucessos, tantos como os álbuns e vidas dos Blur, que mostram ter o cuidado de incluir temas do novo disco, clássicos instantâneos mais antigos, mas também as músicas mais introspetivas, e para alguns as que mais marcaram uma juventude crescida a ouvir Blur, como “This is a Low”, “To The End” ou depois “Tender”.
Com “Girls & Boys” e “Song 2” a energia do público teve novo topo e praticamente assim seguiu até aos últimos “The Narcissist” e “The Universal” – a nova introspeção e a introspeção nostálgica novamente misturadas. Pelo meio, houve entradas em músicas aparentemente falhadas, letras aparentemente esquecidas, tudo bem: fim de tour em festa, com milhares de convidados.
Yeah Yeah Yeahs: passou tempo demais
Foram 15 anos sem os ver – tempo demais, dizia Karen O dos Yeah Yeah Yeahs no palco principal do Meo Kalorama. A atuar antes dos Blur, pelas 19.50 horas, o grupo de Nova Iorque musicou o anoitecer na Bela Vista e mostrou como há coisas que nunca mudam, ou simplesmente não se parecem estragar.
“Spitting off the Edge of the World”, tema com Perfume Genius que foi a primeira música nova revelada desde o disco “Mosquito” de 2013, foi o tema de abertura do concerto – e já nos tinha mostrado, tal como o disco que apresentou, “Cool it Down”, como o trio continua em forma. Foi um álbum de regresso pós pausa forte, coerente, uma banda igual a si mesma.
Restava saber como estariam em palco, e foi como se o tempo não passasse. Karen O surgiu vestida como uma espécie de super-mulher, capa e tudo, a habitual franja, a mesma energia, a mesma persona um pouco punk, um pouco disco, um pouco andrógena, camaleónica. Como em Blur, veio um alinhamento irrepreensível, seguindo-se a “Spitting off the Edge of the World”, “Cheated Hearts”, de 2006 em “Show Your Bones”, para entrar pouco depois o hipnotizante “Burning” do novo disco. No concerto haveria ainda tempo para todos os hits do grupo, de “Zero” a Gold Lion” e “Y Control”, a noite a cair, o público a encher a plateia e Nick Zinner, o habitualmente reservado guitarrista, a tirar fotos à multidão crescente.
Antes de “Maps”, Karen pede dedicatórias ao amor, a todos os que amamos e perdemos, ou simplesmente amamos, à ternura, a “todos os amantes de Lisboa”, a quem canta “they don’t love you like I love you”, com o público a cantar-lhe de volta. Depois de “Heads will Roll” e “Date with the Night”, a vocalista que nos primeiros tempos da banda tinha como um dos traços o de cuspir para o público o que fosse que estivesse a beber, volta a mostrar a sua irreverência, ao despedir-se enfiando o microfone nas calças justas, imitando as formas masculinas. Foram anos parados, novo disco recente, Karen O foi mãe e parece que nada mudou desde que os Yeah Yeah Yeahs abanaram Paredes de Coura há largos anos; fica a vontade de que não fiquem tanto tempo sem voltar, e o façam até numa sala própria.
Depois de Yeah Yeah Yeahs e Blur, os The Prodigy fecharam o palco principal, transformando a plateia numa rave, muito público ainda presente apesar de os concertos terem começado cedo e as viagens entre palcos já serem muitas. A banda já não tem a presença elétrica e icónica de Keith Flint, é certo, mas Maxim Reality faz os possíveis por ocupar o palco todo, ponta a ponta, e puxar pelo público, sempre acompanhado por uma enérgica banda, enquanto o som faz o resto. “Breathe” começou em força, seguindo-se “Omen”, numa catadupa de temas marcantes que incluíram “Vodoo People”, “Firestarter” ou “Smack My Bitch Up”.
No primeiro dia do Meo Kalorama, e numa maratona musical que se iniciou logo ao início da tarde, outros grupos chamaram a atenção e reuniram muita gente sobretudo no segundo palco, este ano San Miguel. A eletrónica que parece quase vinda de outro mundo dos M83 lotou o espaço com muito público que vibrou sobretudo com “Midnight City”; e quando foi a vez dos Metronomy, já a aproximação à área do palco era quase impossível.
“Como esperado até a lua veio ajudar”, diziam os britânicos sobre a enorme lua cheia, num concerto lotado e em crescendo que terminou com “The Look” e “Love Letters”. Se há banda que parece ter nascido para festivais de verão são estes Metronomy, que com o seu som por vezes a lembrar os anos 60 nas batidas, coros e alegria conseguiram o feito de, mesmo em épica debandada durante as últimas músicas de muitos membros do público que aceleravam o passo em direção ao palco principal para Blur, o faziam a cantar “Love Letters” no caminho – o tempo todo.
Novamente cheio, o palco secundário ainda acolheu os franceses The Blaze, dupla composta pelos primos Guillaume e Jonathan Alric e que, depois de duas passagens marcantes por Paredes de Coura, voltou a levar os presentes numa verdadeira viagem sonora e visual, uma surpresa para muitos e confirmação para outros, também a pedir sala própria.
O Meo Kalorama continua esta sexta-feira, com atuações como Belle & Sebastian (18 horas) , Florence & the Machine (20.20 horas) e Aphex Twin (23.15 horas) entre o cartaz.