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Esta semana, ficámos a saber que foi lançado em Portugal um videojogo chamado No Mercy e que foi entretanto retirado de circulação. Parece que o grande objetivo deste jogo é violar mulheres. Podia ser pior. O único jogo que eu conhecia com este nome era a edição Uno No Mercy que já explorava bem a crueldade humana, pois permitia aos seus jogadores sacar de um +10 quando o seu colega do lado, todo contente, já só tinha duas cartas na mão. Com este novo jogo percebemos que aqueles que ajudam os seus utilizadores a fazer de conta que são super-heróis de capa e superpoderes estão a ficar ultrapassados. Os heróis que estão a cativar mais o público atualmente são o Harvey Weinstein e o violador de Telheiras.
Lembro-me, quando era adolescente, do debate público em torno dos videojogos. Na altura, muito se especulou sobre o efeito nocivo que eles tinham nos mais jovens e foi-se concluindo que não há uma relação única e direta entre os jogos que se escolhem e as ações dos jogadores na vida real. Não é por jogar Call of Duty que me faz querer alistar no exército, até pelo aborrecimento que foi o Dia da Defesa Nacional. Não é por jogar GTA que me faz querer andar a atropelar pessoas, especialmente eu que fico logo nervosa quando passo um amarelo. E não é por adorar Super Mario que senti uma vocação especial para canalizadora, embora me pareça um bocado com ele quando deixo de fazer o buço. A diferença entre estes jogos e este No Mercy, parece-me, é o objetivo exclusivo do jogo que se resume a praticar violações. E isso é, no mínimo, um bocado esquisito e a prova disso é a sua sinopse: “Este é um jogo de escolhas e uma novela visual para adultos com foco no incesto e na dominação masculina. No caso de a tua mãe ter destruído a tua família, tu tens um novo papel: não é resolver a situação, mas, sim, tomá-la como tua. Descobre os seus segredos obscuros, domina-a e torna tuas todas as mulheres”. Portanto, em resumo, a tua mãe sai de casa, porque pelos vistos o teu pai foi uma referência masculina de merda, se não não estarias a jogar esta porcaria, e o resultado disso é violares a tua mãe e todas as mulheres que te apareçam à frente. Parece-me giríssimo. Com este critério, é possível que o fabricante já esteja a pensar lançar o No Mercy II, em que o jogador vai poder encarnar a personagem de um pederasta de sucesso.
Bem sei que tentar banir um conteúdo faz com que a procura por ele aumente, mas dificultar o seu acesso parece-me interessante. Tentar jogar o jogo pode bem ser parte do jogo. E, dessa forma, vemos quem é que dá tudo para jogar aquilo e, caso seja o Jorge com quem fizeste match no Tinder e até já foram beber café, tens ali o motivo certo para bloqueá-lo antes do segundo encontro. Pessoalmente não sou a favor da erradicação do jogo, mas consigo concordar com a sua retirada das plataformas onde as crianças acedem. “Ai mas tem lá a dizer que os miúdos não podem jogar”. Exacto. E é por isso que é dificílimo para um garoto aceder a sites inapropriados, por exemplo. Como quando se entra num site pornográfico aparece logo uma mensagem a dizer “tens mais de 18?”. Pumba! Já foste. Só um miúdo com uma inteligência acima da média e meios tecnológicos muito sofisticados é que consegue fazer um cliquezinho em cima do “sim”.
É pena que o jogo que se autodescreve como o “pior pesadelo das mulheres” não seja sobre o estarem há sete anos com as mesmas qualificações e tempo de casa, a ganhar menos na empresa que o colega do lado. Fica a sugestão.