Os três norte-americanos que neutralizaram um atirador durante um ataque a um comboio francês estavam na carruagem errada; deixaram os lugares para procurar Net e deram de caras com o terrorista.
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Alek Skarlatos, Anthony Sadler e Spencer Stone são heróis aos olhos do mundo. Apesar disso, os três amigos norte-americanos ainda mal acreditam que o incidente que lhes valeu a fama realmente aconteceu. Como nas grandes histórias, o destino escreveu direito por carruagens erradas.
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Os três amigos tiveram algumas dificuldades para encontrar a carruagem onde tudo se desenrolou, para a qual tinham bilhetes. Como o lugar onde se sentaram não tinha Internet, andaram pelo comboio a deambular "à procura de sinal", disse Anthony Sadler.
Encontraram rede naquela carruagem e decidiram ficar. O resto, já se sabe: deram de caras com um terrorista e impediram uma tragédia; o mundo aclama-os como heróis.
Em conferência de imprensa, disseram que ainda estão a tentar assimilar todos os acontecimentos das últimas horas. "Não estávamos à espera de receber tanta atenção. Achavamos que íamos simplesmente embora depois de sermos interrogados pelas autoridades", confessa Alek Skarlatos, um dos militares. Sadler corrobora: "Quando as coisas começaram a acontecer, apercebi-me da dimensão que isto poderia atingir, mas não imaginei que chegasse a este ponto".
Spencer Stone, militar da Força Aérea norte-americana que se encontra destacado na Base das Lajes, nos Açores, foi a principal "estrela" da conferência de imprensa. Apontado pelos amigos como o principal "herói" no ataque ao comboio, Stone quase perdeu um dedo a tentar salvar a vida aos companheiros de carruagem.
Ao falar, pela primeira vez, aos jornalistas, Stone fez questão de agradecer à equipa médica que lhe tratou da mão e coseu o dedo e ao passageiro francês que enfrentou inicialmente o atirador. "Ele merece reconhecimento", sublinhou, ao recordar a intervenção de um passageiro francês, que quer permanecer anónimo.
"Estava a dormir profundamente. Acordei, virei-me e o atirador tinha uma AK-47 na mão. Fiz-lhe uma placagem e ele caiu ao chão. Agarrei-o, mas ele tinha um x-ato. Então começamos a dar-lhe murros até ele ficar inconsciente", contou Stone.
"O primeiro tiro foi, provavelmente, a primeira coisa que me chamou a atenção. Depois é que ouvi vidro a quebrar. O atirador estava atrás de mim, por isso não tinha ideia para onde estava apontada a arma ou o que ele queria fazer", acrescenta Alek Skarlatos.
"Ele tinha muitas armas e munições... As intenções dele eram claras", diz. "O atirador parecia que estava pronto para lutar até ao fim... mas nós também", assegura, por sua vez, Spencer Stone.
Atacante era inexperiente
Apesar disso, os dois militares garantem que o resultado final poderia ter sido muito diferente caso o atirador soubesse o que estava a fazer. "Ele não tinha treino para mexer em armamento e parecia não saber bem o que estava a fazer com as armas. Se ele soubesse usá-las e tivesse tido mais sorte [com a AK-47], o resultado poderia ter sido diferente", admite Skarlatos.
O instinto imperou. "Foi uma questão de sobrevivência. Não foi uma decisão consciente. Apenas agimos porque, de início, o instinto de sobrevivência foi mais forte", continuou.
Spencer Stone acabou por ser, dos três, o que mais se feriu. Mesmo assim, ainda teve tempo de ajudar outro passageiro, que perdia sangue pelo pescoço. "A única coisa que me doía era o dedo. O resto nem sentia. Sabia que estava a sangrar mas olhei e vi um homem com uma ferida no pescoço", contou.
"Primeiro, tentei estancar o sangue com a minha tshirt, mas não funcionou. Por isso, tive de meter dois dedos no buraco, tentei encontrar a artéria e pressionei até que a hemorragia passasse. Só o larguei quando os paramédicos chegaram", explica, em detalhe.
"Isto ainda me parece tudo muito pouco real. Parece que aconteceu tudo num sonho, nem sei bem o que dizer. Estou à espera que alguém me acorde", assegura Stone.
Anthony Sadler, o único dos norte-americanos que não é militar, agradeceu a coragem dos amigos e deixou um recado. "Fui o terceiro a levantar-me e quero que a lição que saia disto seja a de que, em tempos de crise, temos de fazer qualquer coisa. Escondermo-nos ou tentarmos ficar para trás não nos vai ajudar", admite.
Os três norte-americanos foram agraciados pela Embaixada dos EUA em França, local onde decorreu o encontro com os jornalistas. A embaixadora norte-americana, Jane Hartley, disse que tinha "muito orgulho" por estar sentada ao lado dos três "heróis" que "saltaram para a linha de fogo" enquanto todos procuravam salvar a própria vida.