Justiça

Apostas de milhares de euros em corridas de carros ilegais

JN acompanhou uma concentração de aceleras que se exibiram para centenas de pessoas numa zona industrial da Área Metropolitana do Porto

É um fenómeno em crescimento o das "street races" (corridas de rua) ilegais que se organizam de forma improvisada, sobretudo em Aveiro, Coimbra, Faro e Leiria. Há apostas em jogo que vão de um mínimo de mil euros até ao próprio carro, "bombas" em que os donos chegam a gastar entre 15 mil e 50 mil euros em alterações (ver infografia). Mas há também muitos aceleras que se desafiam apenas por emoção e orgulho, com centenas de pessoas a assistir.

As autoridades têm multiplicado as operações para travar as corridas. Nos últimos quatro anos, foram detetadas 1547 "street races" ou concentrações e, desde janeiro, só a GNR já acabou com 162 corridas e apreendeu 100 veículos alterados.

O mundo da "street race" tem códigos, linguagem e até roupa próprios. Os carros preparados para corridas ilegais passam quase despercebidos. Ao contrário dos tuning, só com alterações exteriores (ver texto ao lado), é debaixo do capô que se escondem os segredos da potência e desempenho.

"Os carros de picanço, apenas têm uma suspensão rebaixada e umas jantes à vista. Nada que atraia a atenção da Polícia", adiantou ao JN um habitué das concentrações improvisadas. Nestas não há apostas. Compete-se apenas pela adrenalina e para "dar nas vistas".

Mil pessoas a assistir

O JN acompanhou, na última sexta-feira à noite, um destes "picanços", que juntou cerca de mil pessoas, numa zona industrial da Área Metropolitana do Porto. Ao longo de uma reta com cerca de dois quilómetros, grupos de amigos, "pilotos" e até famílias inteiras assistem a arranques a queimar pneus (burn out), corridas ou rateres. São uns dez carros que dão show à vez. Batem-se palmas e há gritos de incentivo, mas também palavras de precaução. É que não existem proteções, nem qualquer tipo de segurança. O odor a borracha queimada é intenso e as marcas dos piões ficam no asfalto. Toda a gente está presa ao telemóvel para filmar ou para receber alertas da possível chegada das autoridades e poder fugir a tempo.

Os encontros de aceleras, acontecem sempre após a meia-noite e são combinados nas redes sociais, em grupos fechados do WhatsApp. Antes há quem se junte, apenas para conviver com amigos e discutir carros, numa estação de serviço ou num parque de estacionamento. Ali, a maior parte dos carros tem alterações exteriores homologadas. Passadas algumas horas, os telemóveis tocam: dois ou mais "picões" já estão a dar espetáculo. É hora de arrancar. A localização só é divulgada aos veteranos e à última da hora.

secretismo

Já no caso das "street races", com apostas, o local fica apenas entre meia dúzia de pessoas, longe do público das concentrações improvisadas. Ali ninguém quer atrair atenções porque é mesmo a doer.

"São grupos muito restritos. A aposta é combinada antes. O mínimo são mil euros e na zona de Aveiro joga-se o livrete do carro. Vêm de Lisboa ou até do Algarve e a corrida pode ser na autoestrada e ter dezenas de quilómetros", explicou ao JN outro conhecedor: "Quando se aposta um carro, o livrete fica, antes da corrida, nas mãos de um terceiro. Para o dinheiro é igual. Assim, não há confusão no final".

Polícias multiplicam operações

Nas últimas semanas, PSP e GNR têm multiplicado as ações contra as corridas ilegais. Desde o início do ano, só a Guarda travou 162, fazendo oito detenções e apreendendo 100 veículos. "Também são detetados ilícitos de natureza contraordenacional, destacando-se a alteração das caraterísticas e transformação dos veículos, o desrespeito pela sinalização existente, o excesso de velocidade e a falta de seguro de responsabilidade civil", explica fonte da GNR. Nas zonas mais urbanas, desde 2018, a PSP detetou 714 "street races" e efetuou 64 detenções. "A fiscalização em ambiente urbano é bastante complexa, dada a imprevisibilidade e mobilidade" das corridas, obrigando a um "esforço para reunir informação sobre a localização e viaturas envolvidas" para planear "ações policiais destinadas a acabar com essas dinâmicas", precisou fonte da PSP. Só na semana passada, em cinco corridas ilegais, em Braga, Aveiro e Setúbal, foram apreendidos cerca de 70 veículos.

"Amantes do tuning não são aceleras"
José Vieira, Presidente da Associação Portuguesa de Clubes Tuning

Qual é a diferença entre o tuning e os aceleras que fazem corridas?
Os verdadeiros amantes do tuning, os "tuners", não são aceleras nem gostam que os confundam com eles. Até estamos muito desanimados por o público em geral nos rotular como aceleras.

Mas nas concentrações aparecem aceleras?
O verdadeiro tuning automóvel não é fazer provas de picanços e estamos contra quem o faz nas concentrações tuning. Existe uma diferença muito grande entre quem prepara os carros visualmente e quem mexe nos motores para ganhar mais velocidade.

É possível legalizar um tuning?
Sim. É passado por um engenheiro mecânico um certificado com as novas caraterísticas técnicas. A seguir vamos ao IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes] para que seja feito o averbamento no livrete. Tem custos, mas assim está-se legal e não se arrisca multas pesadas.

Como tem andado o negócio do tuning?
Mal. Há comerciantes a fechar portas porque os aceleras dão má fama ao tuning e as autoridades têm de atuar, e bem. Mas depois vendem-se cada vez menos peças, porque as pessoas ficam com receio de alterar os carros. Às vezes, nem sabem que podem legalizar.

Alexandre Panda