Três em cada quatro compras do Tribunal de Contas (TC) foram concretizadas com recurso ao procedimento do ajuste direto. Os contratos de aquisição de bens e serviços de 2008 a 2022 que constam do portal BASE mostram que o recurso à modalidade do ajuste direto ocorreu em 74% das vezes. Há, contudo, mais procedimentos abertos à concorrência desde que o juiz conselheiro José Tavares assumiu a presidência do TC, há dois anos. Ou, como justifica o TC, desde que a lei foi alterada em 2017 para limitar o montante máximo dos ajustes.
Em várias intervenções e atos, o TC tem procurado sensibilizar os gestores públicos para as vantagens dos procedimentos abertos à concorrência no momento de adquirir um bem ou serviço. No entanto, o TC também recorre a esta modalidade. No período anterior ao mandato de José Tavares, que é presidente do TC desde 7 de outubro de 2020, foram realizados 381 contratos, dos quais 302 (79%) sem concurso. No mandato de José Tavares há menor apetência para o ajuste direto: dos 73 contratos realizados, 34 foram sem concorrência (47%). Assim, somando todos os mandatos desde 2008, houve 454 contratos, dos quais 336 foram ajustes diretos (74%).
Mudança legal influenciou
Ao JN, o TC explica que a maioria dos contratos que firma "têm montantes reduzidos", que são legalmente passíveis de concretizar por ajuste direto. E "mesmo nos ajustes diretos realizados ao abrigo da lei, o Conselho Administrativo do Tribunal ausculta o mercado ou recorre aos acordos-quadro quando existem, procurando salvaguardar, também nesses casos, o princípio da concorrência".
A preferência por procedimentos abertos à concorrência é uma orientação "do atual presidente e dos presidentes anteriores", ressalva o TC, que justifica que "a redução do recurso ao ajuste direto deveu-se ao escrupuloso cumprimento da legislação", que foi alterada. Ou seja, como o Código dos Contratos Públicos (CCP) permitia, entre 2008 e 2017, o recurso ao ajuste direto para a celebração de contratos públicos até 75 mil euros, e desde janeiro de 2018 o limite foi reduzido para 20 mil euros, o número de ajustes diretos do TC também diminuiu.
Os dados do portal BASE confirmam que os contratos realizados pelo TC são de baixos montantes, pois os ajustes diretos têm menos peso se a análise incidir sobre o valor dos contratos e não sobre o número de procedimentos. Entre 2008 e 2022, o TC gastou 15,5 milhões de euros em aquisições de vários tipos de bens e serviços (ver ao lado). Destes, quase 6,1 milhões (39%) foram através de ajustes diretos. Até 2020, o valor gasto em ajustes diretos era de 44% do total e agora é de 21%. Isto significa que os ajustes são de baixo valor.
Há, contudo, algumas exceções, também justificadas. Por exemplo, as quatro contratações de serviços de assistência técnica informática à empresa HP, cada uma entre 120 mil euros e 140 mil euros. A justificação está no art. 26.º do CCP, que autoriza ajustes diretos de valor alto quando a transação é feita com o mesmo fornecedor com o qual foi celebrado o contrato inicial e desde que a mudança de fornecedor obrigue a adquirir material de características técnicas diferentes, o que seria mais caro para os cofres públicos.
Há vários procedimentos de contratação pública
O Código dos Contratos Públicos (CCP) prevê vários tipos de procedimentos: o ajuste direto (regime geral e simplificado); a consulta prévia, em que são consultadas pelo menos três entidades antes do ajuste direto; o concurso público (normal e urgente); o concurso limitado por prévia qualificação; a negociação; e a parceria para a inovação.
Regimes simplificado e geral têm diferenças
No regime geral do ajuste direto, a entidade contratante convida um fornecedor de bens ou serviços a apresentar uma proposta. O regime simplificado, mais restrito nos valores, dispensa o procedimento e a entidade contratante limita-se a pagar a fatura da aquisição.
Ajuste direto destina-se a aquisições até 20 mil euros
O CCP prevê que o regime geral do ajuste direto pode ser usado para a aquisição de bens e serviços até 20 mil euros ou, no caso de obras, até 30 mil euros. O regime simplificado permite a aquisição de bens até cinco mil euros e obras até dez mil. Contudo, vigora um regime de exceção que permite o ajuste direto simplificado para todas as aquisições até 15 mil euros.
Lei prevê várias exceções sem limite de valor
O CCP prevê que o ajuste direto é possível, independentemente do valor, quando um concurso público tenha ficado deserto, em caso de "urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis" ou quando o contrato só pode ser celebrado com uma entidade, por exemplo no caso de um espetáculo artístico, quando não existe concorrência ou seja necessário proteger direitos exclusivos.