Radiografia da costa portuguesa

Há pássaros e aves raras ao ventona Baía de S. Paio

Tudo começa com dois palavrões invisíveis: filoplâncton (vegetal) e zooplâncton (larvas e ovos em deriva microscópica na água). São estes restos orgânicos, decompostos por bactérias e fungos, que nutrem o ecossistema do estuário. Onde estamos? Na Reserva Natural do Estuário do Douro, margem de Gaia, 62 hectares da Baía de S. Paio e Cabedelo. E ali, para prazer das aves voadoras, venta sempre abundantemente.

Próximo nível visível: no sedimento deste espaço protegido habita ali outro grupo, os anelídeos, constelação de invertebrados que todos reconhecemos na vulgaridade dos vermos: a bicha. Mas há mais neste céu, os pequeníssimos poliquetas e, noutra fasquia mais acima, os crustáceos, no caso pequenos caranguejos e grandes e saltariqueiras pulgas-do-mar. Convivem todos, mais ou menos humanamente, com os moles moluscos, amêijoa e berbigão.

Estrelas ignoradas por qualquer um dos comuns, são estes organismos filtradores de alimento os actores centrais da Reserva do Douro. Porque sem eles não haveria robalos ou douradas, sargos ou solhas, nem qualquer peixe a incursar pelas marés do mar do Douro. Sem estes, não veríamos nunca as aves limícolas que ali vêem a boa mesa da sua migração.

Espécie muito particular de "área de serviço" para voadores, esta reserva - gerida pelo Parque Biológico de Gaia, que Nuno Oliveira gere com bondade e silêncio, aberta todos os dias, do nascer do sol até ao seu descer - é um posto de observação de aves.

Muito mais visíveis no escuro Inverno e, durante o dia, na claridade da vasa do mar, a área é rica em limícolas. A estrela da companhia é a rara garça papa-ratos, pássaro tisnado de asas brancas, primo da sublime e sinistra garça real. À sua volta voam sempre pequeninos pilritos, maçaricos-reais, fuselos e ostraceiros de bico da cor da cenoura.

Entre milhares de gaivotas, de asa escura ou prateada e bico sangrento, há dezenas de outras espécies petizes que grasnam, crocitam e coaxam, pintassilgos, pintarroxos, rolas-bravas, guarda-rios, rouxinóis, há até galinhas-da-água e petinhas-dos-prados entre o belo veludo do pato-real. Mas dão-se alvíssaras para quem ali vir aves raras como a águia real, o abutre do Egipto, a cegonha preta ou o falcão peregrino, especialíssimas espécies que já pouco visitam o Porto, quase nada ou nunca como os incertos cisnes selvagens.