Descargas ilegais continuam a poluir rios como o Sousa, Leça ou Tinto, no distrito do Porto. A causa está nas ligações clandestinas entre redes de esgoto e águas pluviais. Um problema invisível, mas persistente. Entre 2021 e 2024, houve mais de 700 denúncias, mas poucas resultaram em condenações. O novo plano nacional para águas residuais para 2030 é visto como insuficiente. Quem paga são os rios, quem neles vive, o ambiente e a saúde pública.
No distrito do Porto, há sarjetas que não recebem apenas água da chuva. Em muitas ruas, esgotos domésticos e industriais são desviados ilegalmente para a rede pluvial, que deveria apenas conduzir águas limpas para os rios. O que devia seguir para uma ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) escapa sem controlo - diretamente para cursos de água como o Leça, o Sousa ou o Tinto.
As águas residuais domésticas, vindas das casas, escolas ou restaurantes, transportam resíduos orgânicos: restos de comida, detergentes, urina ou fezes. Já as águas residuais
industriais resultam de fábricas e oficinas, podendo conter químicos, metais pesados, óleos ou tintas.
Por lei, estas águas devem ser tratadas antes de descarregadas no ambiente. O Decreto-Lei n.º 152-D/2017 obriga as empresas a pré-tratar os seus efluentes e a cumprir limites específicos de pH, temperatura, carga orgânica e poluentes tóxicos.
As águas pluviais, por outro lado, são as que escorrem dos telhados e ruas quando chove. Em condições normais, não exigem tratamento. Mas quando se misturam com descargas ilegais, transformam-se num risco ambiental.
O que dizem os números?
Em 2022, as denúncias relacionadas com descargas ilegais feitas à Linha SOS Ambiente dispararam para 265, mais do dobro face ao ano anterior. Nesse ano, apenas 11 participações resultaram em processo-crime e 55 deram lugar a contraordenações. As restantes foram arquivadas, por falta de provas ou por não se confirmar qualquer infração.
Nos anos seguintes, esse número estabilizou: 166 denúncias em 2023 e 176 em 2024. Já em 2025, até ao final de abril, 51 denúncias tinham sido registadas, sendo expectável que o total anual se aproxime dos valores anteriores.
No entanto, o número de processos contraordenacionais e de processos-crime continua bastante inferior ao total de denúncias recebidas. Em 2023, houve uma redução para 28 contraordenações e apenas 4 processos-crime, números que se mantiveram semelhantes em 2024.
"O crime de poluição é difícil de resolver, porque é preciso apanhar em flagrante", explica Alexandre Ferreira, sargento-ajudante do Núcleo de Investigação de Crimes do SEPNA do Comando Territorial do Porto. Ainda assim, o sargento nota uma maior atenção por parte da população: "O número de denúncias também tem uma tendência para aumentar porque há mais preocupação da sociedade, e a Linha SOS Ambiente está mais falada", acrescenta.
Quando os rios falam, os cidadãos respondem
A visibilidade dos cursos de água tem influência direta no número de denúncias. Rios como o Ferreira, o Sousa, o Leça ou o Tinto atravessam zonas urbanas com trilhos, jardins e parques. Quando a água surge turva, com manchas ou cheiros fortes, alguém repara e denuncia.
O caudal curto destes rios agrava o problema: os sinais de contaminação tornam-se visíveis mais depressa. Espuma branca, água acastanhada, cheiro intenso - são hoje alertas que muitos cidadãos já sabem reconhecer.
Para Ângelo Neto, voluntário da associação ambiental APRISOF, este é um problema recorrente no Vale do Sousa. A associação tem documentado múltiplas descargas ilegais, sobretudo em dias de chuva.
"Há casos em que estas descargas parecem planeadas para funcionar quando chove, porque as águas pluviais disfarçam o volume e a cor dos efluentes. Mas quando vamos ao local, a ribeira está cinzenta e com espuma. Isso não é água da chuva", denúncia.
A associação recolhe imagens e amostras, que entrega às autoridades. "Estão fartos de receber queixas minhas", admite, com ironia. "Mas é a única forma de pressionar os responsáveis. Se não formos nós a mostrar, ninguém vê. E se ninguém vê, nada muda", lamenta.
Entre o que se vê... e o que se consegue provar
Apesar das evidências visuais recolhidas no terreno, como as imagens que se seguem , nem sempre é possível identificar de imediato a origem das descargas. E sem origem comprovada, não há crime provado.
"É necessário realizar uma investigação mais aprofundada para perceber se essas imagens correspondem de facto a ligações clandestinas de esgoto ou a outro tipo de descarga indevida", explica Alexandre Ferreira, sargento do SEPNA.
"O que à primeira vista parece uma descarga ilegal pode, em alguns casos, não o ser. É preciso recolher amostras, fazer análises e, sobretudo, identificar a origem exata da descarga", acrescenta.
As consequências legais variam consoante a gravidade da infração. Se for uma contraordenação ambiental, a coima pode ultrapassar os 30 mil euros. Mas se for considerado crime de poluição, a pena pode chegar aos cinco anos de prisão - especialmente quando há risco grave para o ambiente ou para a saúde pública.
Sinais de alerta no Rio Sousa
O Rio Sousa apresenta sinais claros de pressão ambiental, como documenta João Costa na sua dissertação de mestrado em Engenharia do Ambiente. As frequentes descargas de águas residuais, muitas vezes sem o tratamento adequado, associadas a ligações ilegais e falhas no sistema de saneamento, comprometem gravemente a qualidade da água.
Segundo o autor, "o défice na existência de saneamento básico e as limitações das ETAR da região" têm levado a descargas diretas nos cursos de água. Muitas estações de tratamento estão obsoletas ou operam abaixo da capacidade necessária, o que afeta diretamente a qualidade do efluente libertado no meio ambiente.
A presença de microrganismos patogénicos e metais pesados, como cádmio, chumbo e mercúrio, representa riscos sérios, tanto para o ecossistema fluvial como para a saúde pública.
Poluição invisível e riscos silenciosos
Adriano Bordalo e Sá, professor e especialista em ecologia aquática no ICBAS, tem sido uma das vozes mais ativas sobre a poluição dos rios urbanos. Em entrevista ao programa 90 Segundos de Ciência, alertou: "As ligações indevidas são um dos principais focos de contaminação invisível dos nossos rios urbanos."
Para o investigador, o reforço da vigilância no terreno e a deteção precoce são medidas essenciais para travar este tipo de poluição, muitas vezes disfarçada e persistente.
Do ponto de vista da saúde pública, os riscos são concretos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o contacto com águas residuais não tratadas pode provocar gastroenterites, hepatite A, infeções de pele e outros problemas graves.
As zonas urbanas são especialmente vulneráveis, sobretudo quando as redes de drenagem estão mal construídas ou quando existe mistura entre águas pluviais e residuais.
Ausência de soluções estruturais
Parte do problema reside nas próprias redes públicas de saneamento. Em algumas zonas, continuam a existir ligações cruzadas entre sistemas de águas residuais e pluviais.
"É importante perceber que muitos dos pontos de descarga estão ligados a infraestruturas públicas. As autarquias têm de ser chamadas a responder. Não é admissível que continuem a existir redes separativas mal construídas", alerta Ângelo Neto.
Segundo uma nota de imprensa do Partido Comunista Português (PCP), o Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030, aprovado em Conselho de Ministros, não responde às necessidades estruturais do país, no que toca à gestão das redes de drenagem urbana.
O partido critica o facto de o plano ignorar problemas como as ligações indevidas e a degradação das infraestruturas existentes, com impacto direto na qualidade da água dos rios e na eficácia das ETAR.
Para o PCP, seria essencial priorizar o investimento na reabilitação das redes, na separação eficiente dos sistemas e no reforço da fiscalização ambiental.
A nota alerta ainda para os efeitos negativos da gestão centralizada e orientada pelo lucro, promovida por entidades gestoras de capitais públicos e privados, que nem sempre colocam os problemas locais na sua lista de prioridades. Corrigir estas falhas implica obras, investimento e vontade política.
*Mariana Vilela, 21 anos, natural de Paredes. Sou licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Lusófona do Porto, com especialização em Jornalismo. Tenho um interesse especial pelas áreas da televisão e da rádio, onde pretendo continuar a desenvolver as minhas competências e a aprofundar a minha experiência profissional.
Jeancarlo Garcia, 22 anos, natural de Caracas, Venezuela, mas moro em Portugal já há 8 anos. Sou licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade Lusófona do Porto, com especialização em Jornalismo. Tenho um interesse particular pelas áreas do jornalismo documental, foto jornalismo e do jornalismo digital.
Alexandra Oliveira , 20 anos, natural de Vila Nova de Famalicão. Sou licenciada em Ciências da Comunicação no ramo de Jornalismo da Universidade Lusófona do Porto. Tenho especial interesse para o meu futuro profissional, nas áreas da rádio, fotojornalismo e música.
Miguel Pontes, 20 anos, natural do Porto. Estudante de Jornalismo na licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona do Porto, com especial interesse nas áreas da televisão e da rádio.
Carolina Malheiro, 20 anos, natural de Santo Tirso. Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Lusófona do Porto, com especialização em Jornalismo. Sou apaixonada pela área do jornalismo documental, fotojornalismo e design editorial
Carolina Alves, 20 anos, sou natural do Porto. Licenciei-me em Ciências da Comunicação, com especialização em Jornalismo, pela Universidade Lusófona do Porto. Desde cedo desenvolvi um interesse particular pelas áreas da televisão e da escrita, que me motivaram a seguir esta formação académica.