"Pai aos 50" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Joel Neto
A minha resolução para 2026 é não pedir desculpa. Tomo-a ainda em Novembro, início do mês, porque vou precisar de umas semanas de treino. Um ano sem pedir desculpa, nem uma vez só - vai dar trabalho.
Oh, como eu me sentiria empoderado, como macho e como gente.
Neste momento peço desculpa umas boas vinte vezes ao dia. Aos fins-de-semana, que a malta anda mais na rua, quarenta. Peço desculpa por não ter podido ir, por ainda não ter conseguido ler, por na segunda-feira não me ser possível comparecer, por nunca ter atendido - por me ter esquecido de enviar o email, a mensagem de WhatsApp, a SMS. As pessoas ouvem-me com paciência, fazem um ar de comiseração e meneiam a cabeça numa espécie de: então agora já podemos contar contigo, certo?
E começa tudo de novo.
"Desculpa mas não consigo", rogo. Desculpa mas não deu. Desculpem. Peço imensa desculpa. Ai, desculpa, desculpa, desculpa. Perdoa-me. Perdoem-me. Perdoe-me. Mil perdões.
Um pede que vá à exposição dele. Outro precisa só de cinco minutos a explicar-lhe como quero o armazém arrumado. Outro ainda estranha que eu nunca mais tenha querido jogar golfe. Passo o dia nisso. Almoços, jantares, breves cafés, telefonemas (muitos, muitos telefonemas). Compromissos culturais, demandas cívicas, estratégias empresariais. Atenções, esclarecimentos de dúvidas, meras informações sobre o estado de saúde dos familiares, a entrega famigerada do famigerado livro - falho com tudo.
Nem sequer consigo ter uma boa noção das coisas com que falho, porque, se numa semana cancelo metade do que tenho para fazer e tento corresponder àquilo que me pedem, logo surgem mais faltas ainda, escondidas por debaixo das primeiras, como a base do icebergue da minha ignomínia.
"Caramba, a vida não é só trabalho!", dizem-me alguns, numa exasperação. Essa é a melhor de todas, porque no fundo o que querem dizer é: "Vá, faz lá uma pausa, mas é, e dá-me atenção". E, se estou na livraria, apanham-me de computador aberto, sentam-se ao meu lado, e aqui vai disto. Só a minha aflição os apazigua um pouco. Ainda assim, peço desculpa, levanto-me e passo o resto do dia a sentir-me um escroque horroroso, egoísta, indiferente - um sociopata.
A verdade é que eu talvez devesse ficar contente por tanta gente, em tantas circunstâncias e âmbitos, pedir a minha atenção. Mas já dou menos tempo ao meu filho do que gostaria e, neste momento, nem sequer consigo imaginar como o vou dar à minha filha também - onde é que eu vou arranjar agora mais desculpas para pedir?
"Não vou porque não quero." O homem que é capaz de dizer isto - esse é o que eu mais invejo no Mundo.