O presidente demissionário do governo da região espanhola de Valência, Carlos Mazón, atribuiu esta segunda-feira culpas ao Estado central e ao executivo de Espanha, liderado por Pedro Sánchez, na dimensão das cheias de 2024, em que morreram 229 pessoas.
Carlos Mazón, que se demitiu na semana passada, depois de se ter transformado no maior alvo de críticas e protestos por causa da gestão da tragédia, negou ainda ter atrasado o envio de um alerta às populações em 29 de outubro de 2024, apesar de ter estado quatro horas a almoçar e só ter chegado ao centro de comando de emergências criado por causa das cheias por volta das 20:30.
O presidente em funções do governo regional da Comunidade Valenciana (conhecido como Generalitat valenciana) sublinhou que não tinha "responsabilidade operacional" na gestão do temporal e das inundações, que cabia aos responsáveis pela proteção civil (que em Espanha é tutelada pelas administrações autonómicas) e que nos telefonemas e contactos que recebeu durante o "almoço de trabalho" ninguém lhe pediu autorização ou para validar o envio do aviso às populações.
O alerta da proteção civil chegou aos telemóveis das populações minutos depois das 20 horas, apesar de a agência espanhola de meteorologia (Aemet) ter ativado um aviso vermelho às 7 horas da manhã e de haver já notícias e informações sobre inundações no interior da região desde o início da tarde.
Segundo o primeiro relatório da investigação judicial, a maioria das 229 vítimas na Comunidade Valenciana morreu antes de ser enviado o alerta.
Carlos Mazón fez estas declarações na comissão de inquérito sobre as inundações do parlamento autonómico, na primeira ida a uma das três comissões parlamentares criadas em Espanha sobre a tragédia de 29 de outubro de 2024.
Além da comissão do parlamento valenciano, há outra em curso no Senado espanhol (câmara alta das Cortes de Espanha) e uma terceira no Congresso dos Deputados (câmara baixa das Cortes ou parlamento nacional).
Mazón considerou esta segunda-feira que já assumiu todas "as responsabilidades políticas" que lhe cabiam ao demitir-se e atribuiu culpas ao Governo de Espanha, do socialista Pedro Sánchez, e a organismos tutelados pelo Estado central, como a Aemet ou a Confederação Hidrológica de Júcar.
Reiterando declarações que já tinha feito antes, disse que os responsáveis pela proteção civil e do governo autonómico atuaram com base na informação de que dispunham fornecida por esses organismos, que considerou ter sido tardia, contraditória e até errada. "Houve avisos em função da informação que chegava", assegurou.
Tragédia foi "oportunidade política"
Mazón acusou ainda o Governo de Sánchez de não ter feito obras já aprovadas em zonas inundáveis de Valência que poderiam ter atenuado a dimensão da tragédia ou de ter demorado a enviar ajuda para o terreno após as cheias.
"A tragédia foi uma imensa oportunidade política para alguns", afirmou Carlos Mazón, antes de referir em concreto o Governo de Espanha e os partidos de esquerda.
A oposição de esquerda no parlamento valenciano acusou Mazón de "indignidade" e falta de respeito pela comissão, por ter lido um texto durante mais de 20 minutos que levava escrito e não ter respondido a quase nenhuma das perguntas dos deputados.
Os mesmos deputados lamentaram que tenha ido à audição para distribuir culpas e para rejeitar responsabilidades ou dizer que não lhe competia gerir a emergência de proteção civil.
"Não se deu conta de que era o presidente da Generalitat? Porque se demitiu se não tinha responsabilidades?", questionou José Muñoz, do Partido Socialista espanhol (PSOE).
Quando se demitiu em 3 de novembro, Mazón tinha já atribuído culpas a organismos do Estado e ao Governo espanhol, mas reconheceu também "erros próprios", como não pedir a declaração de emergência nacional na região (o que impediu que fosse o Governo nacional a assumir a gestão) e ocultar inicialmente onde estava no dia das inundações.
No último ano, Carlos Mazón deu diversas versões sobre a sua agenda no dia 29 de outubro, quando se sabe hoje que teve um almoço de mais de quatro horas com uma jornalista num espaço reservado de um restaurante da cidade de Valência.
Além das comissões parlamentares, que procuram apurar responsabilidades políticas, as inundações estão a ser alvo de um inquérito judicial, para apurar eventuais responsabilidades criminais na morte de 229 pessoas.
O primeiro relatório da juíza que está a instruir a investigação foi conhecido em fevereiro e concluiu que a maioria das vítimas morreu antes de ser enviado um alerta para os telemóveis da população pelo governo autonómico.
"A ausência flagrante de avisos à população" pode ter causado um "número avassalador de mortos", escreveu a juíza.
Para a magistrada, o problema no dia das cheias não foi a "falta de informação", mas a informação disponível ter sido ignorada ou "as decisões relevantes não terem sido tomadas por quem tinha poder de decisão".