Os deputados franceses rejeitaram por unanimidade, em primeira leitura, o Orçamento do Estado para 2026, na noite de sexta-feira para sábado, numa votação que não deixa boas perspetivas para a sua aprovação antes do final do ano.
Após semanas de debates, por vezes acalorados, sobre a tributação do património ou das grandes empresas, 404 deputados rejeitaram a parte "receitas" do texto (apenas um votou a favor), rejeitando assim todo o projeto de lei, sem sequer se debruçarem sobre a parte das "despesas".
De acordo com os procedimentos parlamentares franceses, esta votação remete o texto inicial do governo para a câmara alta do Parlamento, que o analisará na próxima semana.
Num panorama político muito conturbado desde a dissolução da Assembleia Nacional decidida pelo presidente Emmanuel Macron em 2024, a dificuldade em aprovar um orçamento do Estado é o principal motivo da queda dos últimos primeiros-ministros.
O governo minoritário de Sébastien Lecornu, um aliado de Emmanuel Macron, encontra-se, no entanto, sob forte pressão para reduzir o défice público, o mais elevado da zona euro, cuja magnitude preocupa os mercados financeiros.
A Assembleia já havia rejeitado em 2024 o Orçamento do Estado, algo inédito desde a adoção da V República em 1958. Mas é a primeira vez que isso acontece em tal magnitude.
Os grupos de esquerda e da extrema-direita votaram contra, enquanto os do campo governamental se dividiram entre votos contra e abstenções. Apenas um deputado centrista votou a favor do texto.
Embora o executivo ainda espere que a lei seja aprovada antes do final do ano, o objetivo apresenta-se como um desafio, tanto em termos de prazos como em termos de maioria para votá-la.
Minoritário, o quarto governo em menos de um ano e meio, o sexto desde a reeleição de Macron em maio de 2022, prometeu deixar a última palavra ao Parlamento para evitar uma censura.
Mas a busca por um compromisso continua muito difícil entre um campo presidencial dividido, uma esquerda atravessada por tensões e uma extrema-direita favorável a uma união das direitas.
Embora tenha considerado o "mais longo debate orçamental" da V. República um "trabalho útil", a ministra das Contas Públicas, Amélie de Montchalin, lamentou também "um certo número de medidas inconstitucionais, irrealistas ou inaplicáveis".
Na mira do campo governamental estão várias subidas de impostos, incluindo um "imposto universal" sobre as multinacionais, uma subida do imposto sobre a recompra de ações ou uma contribuição sobre os dividendos.
Com elas, o défice passaria para "4,1%" do PIB (contra uma meta de 4,7% no texto inicial), sem elas seria de "5,3%", estimou Amélie de Montchalin.
A ministra denunciou na rede social X a "atitude cínica" dos "extremistas", mas disse estar "convencida" da possibilidade de um compromisso.
"Não dá certo", afirmou o líder dos deputados socialistas, Boris Vallaud, considerando as "receitas" insuficientes para pagar as políticas públicas. O PS continuará, no entanto, a "procurar o compromisso", assegurou.
Os socialistas, que aceitaram não censurar o primeiro-ministro em troca, nomeadamente, da suspensão da reforma das pensões, esperavam que os debates permitissem obter um imposto sobre o património dos ultra-ricos. Mas as propostas nesse sentido foram rejeitadas.
Se o Parlamento não se pronunciar dentro do prazo, o Governo pode executar o Orçamento por decreto. Também pode ser votada uma lei especial que permita ao Estado continuar a cobrar os atuais impostos no próximo ano, enquanto as despesas seriam congeladas até à votação de uma lei do Orçamento para 2026.