Rosalía ouvida três anos depois, uma medida de tempo para analisar o flamenco na sua obra.
Há efemérides que se colam ao calendário como pequenas brasas: não ardem, mas aquecem a memória. Somos nós que lhes damos importância, ou talvez sejam elas que, teimosas, regressam todos os anos para nos lembrar da passagem do tempo.
No dia 25 de novembro de 2022, Rosalía deu no Fórum Braga, um concerto que três anos completos, redondos, perfeitos depois, nos atravessou. Não apenas pelo fulgor do palco, mas pela decisão de ir ao osso, de tocar flamenco que lhe vinha do "Los Ángeles" e do "El Mal Querer", como se nos quisesse lembrar de onde veio antes de as luzes gigantes de "Motomami" a transformarem em meteoro.
É por isso que as efemérides importam: são lugares onde o passado respira de novo, mas com o ar do presente. Quando recordamos aquele concerto, já não estamos no mesmo sítio. Nós mudámos, ela mudou, mas as palmas, as guitarras, os melismas como que parecia cortar o ar de Braga continuam intactas. Talvez porque houve ali uma espécie de promessa: a de que a música, quando é verdadeira, não se gasta.
Hoje, três anos volvidos, não celebramos apenas o concerto, mas a persistência da memória para nos perguntar onde estávamos, quem éramos e o que fizemos com o que vivemos. É esse o papel das efemérides: abrir a porta ao que já passou, mas nunca deixou de ter lume. Esse mesmo exercício faz Rosalía que deixa as brasas flamencas fazerem assaltos de memória. Se nalguns pontos-chave de "Lux" são óbvias como "La rumba del perdón", com Estrella Morente e Silvia Perez Cruz.
Outros chegam mais delicadas como o compasso de bulería por soléa do tema "La Yugular", ou a bulería "De madrugá", onde é impossível não recordar os arranjos orquestrais feitos para Camarón de la Isla. O tema "Mundo Nuevo" a entrar pela malfadada petenera, ou a incrível "Porcelana". Como disse Andrew Lloyd Weber "'Lux' é um álbum eterno".