As autoridades de Hong Kong iniciaram uma investigação anticorrupção, esta quinta-feira, após o incêndio que já matou mais de 60 pessoas no complexo Wang Fuk Court, no distrito de Tai Po. Já foram detidos três homens após terem sido descobertos materiais inflamáveis no local, que ajudaram o fogo a propagar-me mais rapidamente.
Foi criado "um grupo de trabalho para iniciar uma investigação completa sobre a possível corrupção no grande projeto de renovação do Wang Fuk Court em Tai Po", indicou a Comissão Independente Contra a Corrupção de Hong Kong, através de um comunicado, onde justifica a decisão com o "imenso interesse público envolvido" no incêndio.
A polícia já deteve três homens por suspeita de homicídio voluntário, após a descoberta de materiais inflamáveis, nomeadamente esferovite, deixados durante trabalhos de manutenção que levaram o fogo a propagar-se mais rapidamente pelos andaimes de bambu. Os detidos são dois diretores e um consultor da empreiteira responsável pelas obras de renovação.
Já morreram, pelo menos, 75 pessoas no incêndio, incluindo um bombeiro, e há 76 feridos, dos quais onze são bombeiros. Encontram-se ainda desaparecidas 279 pessoas, incluindo bebés e idosos. Uma associação local também revelou ao "South China Morning Post" que haverá cerca de uma centena de animais nos edifícios destruídos pelas chamas.
O incêndio começou na tarde de quarta-feira no complexo de habitação social Wang Fuk Court, de oito torres e com dois mil apartamentos. As chamas deflagraram nos tradicionais andaimes de bambu que cercavam os edifícios, em trabalhos de manutenção.
Na tarde desta quinta-feira, o fogo ainda era visível em algumas janelas, enquanto os mais de 700 bombeiros envolvidos no combate ao incêndio trabalhavam para controlar as chamas. No local ainda se encontram equipas de socorro e polícia, nota a AFP. O fumo negro que se espalhou pela zona começou a diminuir, indicou também a Lusa, o que permitiu aos operacionais utilizar as escadas para apagar o fogo.
As autoridades informaram que o fogo já foi extinto em quatro das oito torres e que, nos restantes edifícios, o incêndio está "sob controlo".
"Viu a minha filha?"
Os bombeiros revelaram que já conseguiram entrar em contacto com algumas das 279 pessoas dadas como desaparecidas. A temperatura "está muito elevada e há pisos onde não conseguimos contactar as pessoas que ligaram a pedir ajuda, mas vamos continuar a tentar", assegurou o vice-diretor do corpo de bombeiros, Derek Armstrong Chan.
Ainda assim, são vários os relatos de amigos e familiares em desespero que não conseguem falar com pessoas que se encontravam dentro do complexo. "Viu esta menina?" perguntou uma mãe ao jornalista da Lusa. "Viu a minha filha ou a 'ajudante'?", diz, usando a expressão usada em Hong Kong para as empregadas domésticas. "Não as vejo desde que o incêndio começou. Por favor, viram-nas?", suplica a todas as pessoas que encontra.
Nas redes sociais, circulava uma publicação de uma outra mãe, desesperada por não conseguir contactar os sogros, que estavam a tomar conta da filha de seis meses em Wang Fuk Court. "Já passaram quase 24 horas [desde o último contacto] (...) A minha filha precisa de ser amamentada senão vai morrer. Alguém me consegue dizer se ela foi salva ou não?"
Entreajuda e apoio aos moradores
Cerca de 500 moradores afetados pelo incêndio ficaram alojados em nove abrigos temporários em Tai Po, informou esta quinta-feira o governo local. Centenas de pessoas reuniram-se nas ruas próximas ao Wang Fuk Court e em áreas públicas para ajudar os residentes e os bombeiros. "É realmente comovente. O espírito dos habitantes de Hong Kong é que, quando alguém tem problemas, todos oferecem apoio", afirmou Stone Ngai, 38 anos, um dos organizadores de um posto improvisado, à AFP.
"Toda a gente conhece alguém que vivia em Wang Fuk", sublinha Serena, 16 anos, à AFP. "Nunca pensámos que isto pudesse acontecer aqui", acrescenta a jovem que se juntou a vários colegas para comprar e doar mantimentos e entregar numa escola de Tai Po, convertida num dos abrigos temporários para os afetados pelo incêndio.
Uma idosa também veio de Tuen Mun, a 30 quilómetros de distância, com cobertores e roupa. "É pouco para quem perdeu tudo o que tinha", lamenta.
De acordo com a imprensa local, o incêndio levou ainda muitas pessoas a tentar doar sangue, esgotando as marcações na unidade de saúde local.