Além das alterações propostas na parentalidade e na amamentação, há sete mexidas no anteprojeto da lei laboral que estão a empurrar as mulheres, em particular, para a greve geral desta quinta-feira, 11 de dezembro. Dos despedimentos sem justa causa aos bancos de horas, passando pela descriminalização e dos créditos laborais, veja o que reivindicam três estruturas com maior representação feminina.
Sindicatos e movimentos que contam com maioria de representação feminina no mercado laboral antecipam o que pode levar as mulheres a saírem à rua nesta quinta-feira, 11 de dezembro, dia de greve geral, e que vão muito para lá das polémicas alterações anunciadas em torno do fim do luto gestacional ou das novas regras relativas à amamentação. É a anunciada flexibilização do mercado laboral, em que o sexo feminino está em maior vulnerabilidade, que mais preocupa as mulheres. À Delas.pt, três dirigentes revelam as mexidas que mais podem impactar no futuro do trabalho exercido no feminino, apesar de as alterações tocarem a todos, sem exceção.
"Há duas questões que eu destacaria: despedimentos e bancos de horas", começa por dizer a responsável da Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens (CIMH) do CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, na CGTP. Para Andrea Araújo, na linha da frente de uma estrutura que conta com cerca de 70% de trabalhadoras, "o despedimento sem justa causa, um pilar da defesa dos direitos dos trabalhadores, sem possibilidade de se defender e a não reintegração definida pelo tribunal, põe tudo em causa".
A vulnerabilização do trabalho das mulheres também está entre a preocupações primordiais de Cristina Mota, do Movimento Missão Escola Pública, um universo que conta com uma massa feminina na ordem dos 75%. "Temos a possibilidade de os despedimentos poderem vir a ser feitos de forma mais facilitada pelo empregador, e sabemos que elas recebem em média menos do que os homens. Ora, tendo em conta que existe este retrocesso nos despedimentos mais facilitados, a mulher fica numa desvantagem porque ela já parte dela e aumenta esta amplitude, a precariedade do trabalho da mulher será maior do que para qualquer outro cidadão", refere.
"A precariedade do trabalho da mulher será maior do que para qualquer outro cidadão", afirma Andrea Araújo
Vivalda Silva, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD), concorda: "A questão dos despedimentos sem justa causa penaliza a mulher porque é tendencialmente sempre ela que precisa de ter mais tempo para os filhos e, mais tarde, como cuidadora informal, para acompanhar os pais. Tudo isto leva a que empresas e patrões tendam a ver-se livres deste tipo de trabalhadores, sobretudo mulheres, porque já não dão o rendimento", alerta.
No que diz respeito ao banco de horas individual, Andrea Araújo diz ser uma proposta "gravíssima para as mulheres". "Recordo que relativamente a esta medida, Maria Rosário Ramalho, enquanto professora de Direito do Trabalho, chegou a dizer que, com essa medida, o 'empregador podia fazer quase tudo com o tempo de trabalho', alegando que, com esta ferramenta, ficava com tudo na mão do empregador". Agora, como ministra do Trabalho, defende-a.
Vivalda Silva também concorda. "O que se torna prioritário nesta luta é o combate à desregulação do horário de trabalho e o banco de horas. Afeta todos, mas sobretudo as mulheres em particular que, no nosso setor da limpeza industrial, é composto maioritariamente por elas, muitas mães em monoparentalidade e sem rede que arriscam a não conseguir, por exemplo, ir buscar os filhos às escolas porque têm os horários de trabalho desregulados". A dirigente, tal como Andrea Araújo, diz que muitas lhes têm trazido exatamente a preocupação sobre o que lhes acontecerá se tiverem de recusar o banco de horas por incompatibilidade familiar.
"Todas estas alterações às leis do trabalho, os direitos das mulheres estão a regredir 40 anos", alerta Vivalda Silva
Para Vivalda e Cristina, o anteprojeto faz recuar as conquistas recentes no capítulo dos direitos femininos. "Todas estas alterações às leis do trabalho, os direitos das mulheres estão a regredir 40 anos", analisa a primeira. A segunda sublinha que "os professores têm um papel na construção de cidadãos do futuro no que diz respeito às mulheres, junto de alunas e alunos, e este anteprojeto configura um retrocesso que por si só já nos preocupa", afirma, aludindo à "parentalidade e à amamentação", que também terão impacto na classe docente.
Duodécimos, créditos e descriminalização
"Depois de tudo o que se batalhou no serviço doméstico e para que não houvesse trabalho não declarado - até os patrões pediam que se acabasse com isto - vamos ter uma alteração à lei para que deixe de ser penalizado quem não declara o trabalhador", alerta Vivalda Silva. O sindicato que representa, entre outros, as empregadas domésticas, que se estima serem mais de 100 mil em Portugal, segundo conta do Ministério do Trabalho, "esta descriminalização é impensável nos tempos que correm, é por estes e por outros motivos que a greve geral é muito necessária".
A coordenadora do STAD considera também que o pagamento dos subsídios em duodécimos acarreta preocupações. "Nos setores que representamos, essa proposta é muito má. Nos locais de trabalho onde vou, há muita mulher, mesmo não estando sozinhas e tendo companheiro, que está à espera de receber para, por exemplo, trocar por eletrodomésticos em casa que se avariaram ou para fazer uma obra urgente e que, com salários tão baixos, não conseguem responder", afirma.
Vivalda Silva acrescenta ainda os "créditos laborais", que a deixam "chocada". "Os trabalhadores dos setores do STAD, mas sobretudo muitas mulheres no setor da limpeza industrial, não sabem ler nem escrever, muitas são imigrantes e têm pouco conhecimento da língua portuguesa, e arriscam-se a, por medo, assinarem tudo o que lhes meterem à frente. Se o patrão lhes apresenta um documento a dizer que não lhes deve nada, elas arriscam-se a assinar no desconhecimento e a perderem direitos", alerta a coordenadora.
Cristina Mota adita a luta contra os "serviços mínimos para a educação", uma vez que este anteprojeto em causa vem propor alargamento dessa prerrogativa a cuidados de idosos, crianças e pessoas com deficiência, integrando creches e lares nos serviços mínimos.
"Serviços mínimos na greve não são para garantir uma educação mais equitativa, mas uma escola-depósito", analisa Cristina Mota
Para a responsável do Movimento Missão Escola Pública, "ao definir serviços mínimos na educação dá-se a entender que é um bem essencial, mas depois não verificamos as mesmas condições para garantir educação de qualidade aos alunos", contrapõe. Ou seja, "os serviços mínimos previstos não são para garantir uma educação mais equitativa, mas uma escola-depósito, é apenas para garantir aos pais dos alunos que têm onde deixar os filhos e que as greves não tenham depois consequência nos trabalhos dos progenitores", conclui a responsável.