Depois do estrondo mediático provocado com "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, um novo filme brasileiro denuncia a realidade social do país, tendo levado às salas do Brasil mais de quatro milhões de pessoas.
O título do filme - "Carandiru" - é o nome da prisão de São Paulo onde há uma década a polícia matou mais de cem presos, sem que nenhum agente da autoridade ficasse sequer gravemente ferido. O inquérito foi arquivado, mas a prisão, onde as condições de vida eram notoriamente degradantes, acabou por ser deitada abaixo.
Dráuzio Varela, médico de Carandiru durante vários anos, escreveu um livro a contar várias histórias a que assistiu, e Hector Babenco, a quem curou de uma grave doença, realizou o filme. Uma das personagens é interpretada por Maria Luísa Mendonça, a Buba de "Renascer" e a Vera de "Explode Coração". Mais recentemente, a actriz, que nasceu no Rio de Janeiro em 1970, interpretou um dos papéis da mini-série "Os Maias".
Agora que o filme chega ao mercado de DVD nacional, a actriz recorda-nos como é que chegou a este projecto. "Eu li o livro logo que saiu e senti de imediato que ia dar um filme", confessa. "O Hector Babenco e eu somos amigos. Estivemos a conversar muito. Eu já sabia que ia entrar neste filme. Nem fiz um teste; foi um convite." Mas apesar de o cinema brasileiro estar em expansão, só vemos Luísa Maria Mendonça praticamente em filmes de Hector Babenco. "Eu recuso muitos convites para cinema. Sou uma actriz que quero construir carreira muito selectiva", confessa.
A personagem que interpreta em "Carandiru" é muito diferente da Maria Luísa Mendonça que conhecemos ao vivo. A actriz explica-nos como construiu a figura daquela cadastrada com uma paixão pela dança. "A minha maior inspiração foi o próprio livro, que estudei bastante. O livro é maravilhoso. Consegue-se entrar muito naquele universo através do livro. A história do samba, tem a ver com eu gostar muito de sambar. E sou uma grande coleccionadora de movimentos, de pessoas. Vou-as coleccionando."
Sendo um filme tão duro e desesperado, será que a rodagem terá sido assim tão exigente como parece? A actriz diz que não. "Foi tranquilo", diz aliás. "O que acontece é que filmámos dentro da prisão de Carandiru. E aquilo é inesquecível, é muito forte. É um lugar que tem história. Tinha história, porque foi implodido há bem pouco tempo. Era o desgaste de tudo, o que via escrito nas paredes, o cheiro que era horrível, aquele lugar muito opressivo, muito louco. Era como se estivessem fantasmas ali dentro. É um lugar com muita memória".
Nesse sentido, será que Maria Luísa Mendonça, quando saía da prisão, chegava a sentir-se de alguma forma livre de novo? "Sentia", admite a actriz. "Tinha uma sensação de alívio e sentia uma necessidade de tomar um banho bem forte, bem demorado, para deixar a água limpar aquela energia pesada que havia ali dentro. Quase todos os actores falavam disso. Chegava a casa exaurida."
Quisemos então saber se no geral, ao fim do dia, quando chega a casa, a actriz se consegue esquecer depressa da personagem que representou durante o dia. "Não dá para desligar totalmente", diz. "Em especial quando estamos a fazer um filme, ficamos com a personagem até acabar mesmo. Essa continuidade emocional habita dentro de nós. Mas é claro que não sou paranóica, sei muito bem o que é trabalho e o que é a minha vida pessoal. Graças a Deus que é muito bem estruturada. A família ajuda muito, porque quando volto para casa tenho a minha filha e o meu marido. É outra realidade."
"Novela é brincadeira"
Ao contrário do cinema, onde redescobrimos agora Maria Luísa Mendonça, na telenovela uma actriz é a mesma pessoa, durante vários meses de seguida. "Nós construímos a personagem, e depois brincamos com ela", explica-nos. "A novela é uma boa brincadeira. Geralmente, a novela é mais leve. Rende, rende, rende. Eu divirto-me, a fazer televisão. Gosto do acaso da televisão, da rapidez. Apesar de parecer uma grande dificuldade, é uma grande experiência, porque nos deixa muito ágeis. Lidamos muito com o improviso."
Finalmente, perguntámos à actriz qual a relação que tem com o nosso país. "Adoro Portugal, diz sem hesitação. "Já lá estive três vezes. Tenho uma relação excelente com o vosso país. Sinto-me muito bem tratada - aliás, fico verdadeiramente impressionada com o calor que os portugueses dão aos brasileiros, com a total generosidade das pessoas. E depois há outra coisa a comida é maravilhosa - ai aquele belo bacalhau... É lindo, Portugal".
Carandiru Hector Babenco
