ODouro está cada vez mais poluído. Os níveis de contaminação têm crescido de ano para ano, apesar da entrada em funcionamento de diversas estações de tratamento de águas residuais (ETAR) nas margens do rio. Há uma possibilidade que ganha força perante os números: dezenas de urbanizações, edificadas nos últimos 10 anos, não estão ligadas à rede de saneamento e podem estar a despejar, ilicitamente, os esgotos para as linhas de água enterradas.
Só no Porto, o investigador Bordalo e Sá - que é docente do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e estuda, desde 1984, o estuário do rio Douro - estima que 30% do esgoto produzido no município não chega às duas ETAR, nas Sobreiras e no Freixo. "Um em cada três litros de esgoto não vai para as estações", calcula, ao JN, o professor, tendo em conta a quantidade de água consumida e a que chega às estações de tratamento.
"A maior parte das linhas de água do Porto drena para o estuário do rio Douro. As ribeiras continuam poluídas. Algumas poderão estar a receber, agora, esgotos que há poucos anos não recebiam, porque não existiam urbanizações naquelas zonas", continua. O investigador possui dados pontuais que apontam para a hipótese de empreendimentos recentes manterem ligações clandestinas a linhas de água e a redes de águas pluviais, que desaguam no rio Douro. Também o vereador do Ambiente da Câmara do Porto, Rui Sá, admite esse cenário. "Há loteamentos que foram feitos e como ainda não existia colector de saneamento na zona, os prédios construíram fossas. Pode haver ligações clandestinas a redes de águas pluviais".
Redução do oxigénio
Certo é que a poluição no rio Douro atinge níveis preocupantes e não pára de subir.
"O estuário do rio nunca esteve tão poluído por fezes como agora. A água que chega ao estuário a partir da albufeira de Crestuma não está contaminada por fezes. A contaminação ocorre já no estuário, entre Gramido e Avintes, aumentando em direcção à Foz. É um risco para a saúde pública", sublinha o investigador.
Desde os anos 80 que os valores médios anuais de concentração de bactérias crescem. Em 1985, existiam 2800 unidades formadoras de colónias por 100 mililitros de água. No ano passado, subiu para mais de 42 mil unidades, quando o valor máximo admissível é de 2000. Ou seja: é 21 vezes superior. Curiosamente, Bordalo e Sá realça que a contaminação da água do estuário não é constante ao longo do dia. "Piora de manhã, melhora durante o dia, volta a piorar ao final da tarde e à noite. Há o reflexo automático de ida à casa de banho dos portuenses no estuário, o que significa claramente que continua a haver esgotos domésticos sem tratamento a serem lançados no Douro", alerta o professor.
E os esgotos não se diluem. É que o rio está estratificado. A três metros da superfície, encontra-se uma barreira de salinidade. Quando os sistemas de águas pluviais e as linhas de água, contaminados por esgotos, são descarregados no fundo do rio, a poluição não chega à superfície por causa do sal. No Verão, a situação deteriora-se. O Douro tem menos água e a força da maré não é suficientemente poderosa para varrer a massa de poluição. Fica retida durante dias, o que resulta na diminuição do óxigénio nas zonas profundas. "No Verão, está mais peixe à superfície. A partir de três metros de profundidade, há já uma redução de 50% no oxigénio, colocando em risco as espécies", acrescenta.
A solução passa pelo tratamento, com cooperação entre Porto, Gaia e Gondomar. "O rio não tem fronteiras", lembra Bordalo e Sá que, nos últimos dois anos, conta com a parceria dos SMAS do Porto para o estudo da qualidade da água no estuário. Face aos resultados, a colaboração com os SMAS vai manter-se e a investigação incidirá sobre a zona mais poluída, de Gramido até à Barra.
