Herman José regressa à crueza do início da carreira
Humorista apresenta ao vivo novo espectáculo de 90 minutos Minitournée termina hoje na Fábrica do Inglês, em Silves "Tenho cada vez mais necessidade de público real", revelou o comediante ao JN
Recém-chegado de Espanha que lhe garante umas férias tranquilamente anónimas, ao contrário do Algarve de Agosto onde não consegue descansar porque o tratam como o Pateta ou o Mickey na DisneyWorld - "todos querem tirar uma fotografia ao meu lado" -, Herman José apresenta hoje à noite, às 22.30 horas, o último dos três espectáculos "És tão boa", na Fábrica do Inglês, em Silves, onde revisita 30 anos de carreira.
Para o humorista mais célebre do país, a possibilidade 'live' parece ser cada vez mais urgente - e estará intimamente ligada a uma nova necessidade a de regressar aos primórdios da sua criação e de compreender a génese do humor.
"É uma coisa orgânica"
Com o objectivo centrado, Herman José propõe agora espectáculos crus. "Este é um espectáculo orgânico que se adapta aos vários públicos e circunstâncias. Pode ser apresentado numa festa de finalistas numa cidade universitária ou numa festa de emigrantes nos Estados Unidos".
Mas, concretamente, de que se trata? De quase 90 minutos em palco, a solo, despido de adereços, em versão fusionista de 'gags', com recursos aos "bonecos" e assuntos da contemporaneidade nacional.
Com lotação a 50% no dia da estreia, Herman José começou com o sotaque "tipo futebolista" adquirido passado duas semanas no país de 'nuestros hermanos' - onde há "uma alegria que nós não temos" -, e apresentou a versão espanholada da "Coimbra que em Portugal tem mais encanto na hora da despedida", como "só se compreende que se diga de um fiscal das finanças".
Durante uma hora e meia, Herman regressou às origens num modelo 'stand up comedy' intimista onde falou de alguns êxitos, à mistura com momentos privados, familiares, numa desconstrução de candidaturas, figuras televisivas e gente das artes - de Mário Soares a Mariza, de Ferreira Torrres a Castelo Branco passando por Júlia Pinheiro, Duarte Pio, Hermano Saraiva ou José Carlos Malato.
Com a camisa negra improvisada ao melhor estilo Ana Malhoa, falou da "segunda verruga mais conhecida da canção portuguesa, logo a seguir a Dulce Pontes" e num estilo similar apresentou em palco Merche Romero, a que "gosta muito de falar com emigrantes".
O "Saca o saca-rolhas", êxito do início de carreira que lhe valeu um disco de ouro - "derretido para pagar as prestações da casa" - e 154 contos "investidos numa carrinha Datsun Durvan onde percorria as estradas portuguesas" convenceu o público a soltar a garganta.
Uma viagem pelo sotaque da ilha de S. Miguel, mais difícil de mudar, segundo o génio da lâmpada, do que construir uma ponte de ligação directa entre Ponta Delgada e o Terreiro do Paço, fez também parte do percurso que inclui uma "parte cultural com música country" e uma passagem pelas duas gerações de actores das novelas da TVI, para terminar com "New York, New York" na falsa saída "não permitida aos Rolling Stones porque arriscariam fazer o encore em cadeira de rodas".
No final, e a sério, apresentou a versão do "hino de Verão" que dá nome ao espectáculo.
Três anos depois, o humorista convence? Maria Fernanda Nobre e Ismael Ramos, de Vila da Feira, a passar férias no Algarve, acharam o espectáculo "excelente". O casal acompanha há anos a carreira do criador que consideram "imbatível na capacidade de improviso e nas boas saídas".
Para João Bermudas e Vanessa Mesquita, esta foi a primeira vez que viram Herman num ao vivo. "Adorámos conhecê-lo", tal como Elsa Valente, que veio de Almada. "Imenso, imenso. Foi muito divertido", diz. Os amigos Mário Jorge e Maria de Lurdes Piteira, também de Almada, já conheciam anteriores espectáculos de Herman - mas o artista cumpre o propósito "Dispõe sempre bem, sabe? E isso não se pode dizer de qualquer um".
"Actuar até aos 100 anos, como Burns"
Herman está apostado em seguir as pisadas de George Burns o comediante norte-americano morreu aos 100 anos com 36 espectáculos marcados. A cumprir 30 anos de carreira, o humorista português perspectiva o futuro com os olhos postos na graça da experiência:"Nunca espero nada de um espectáculo porque isto é como os melões - antes de abrir não se adivinha o que está lá dentro. Se hoje souber a pepino, espero que nos outros dias seja melhor". Até ao final do mês viaja até à Madeira onde regressa por quatro dias depois de o último espectáculo ter esgotado em 30 minutos. O humorista garante que leva estas actuações tão a sério "como quem vai para uma tourada e quer levar as duas orelhas e o rabo". Na sua perspectiva, "a única razão deste tipo de actividades é a necessidade, cada vez maior, de contactar com público real", como acontece nos "Bastidores" à terça-feira. "É importante não perder o contacto com as três dimensões. É uma forma de provar que, sem maquilhagem nem artifícios, é possível distrair uma plateia durante mais de uma hora". É importante manter essa "ginástica mental. Para mim é um regresso aos primórdios, há 30 anos".
