Mal se entra na localidade da Mina de São Domingos, é a imponência do edifício que mais prende a atenção do recém-chegado. Em especial à noite. A estalagem está situada na zona nobre da aldeia, onde habitavam os directores ingleses da Mason & Barry, a empresa que, desde meados do século XIX e até aos anos 60 do século passado, administrava e explorava os filões de pirite e cobre da Mina de São Domingos.
Em tudo contrastante com o despojamento das filas uniformes de casas que, no outro lado da colina, serviam de lar aos mineiros, os grandes palacetes senhoriais aqui construídos misturam o estilo de construção alentejano com a arquitectura pós-vitoriana, numa clara atitude, tão típica nos britânicos, de adaptar e moldar a paisagem local aos seus próprios hábitos.
A Estalagem de São Domingos fica no maior destes edifícios, naquele onde durante quase um século funcionou a sede administrativa da mina e que, entre os locais, é precisamente conhecido como o... Palácio. E é de facto num palácio que nos sentimos. Nem tanto pelo luxo, discreto, quase reduzido ao essencial, mas mais pela escala, a começar na altura impressionante do pé-direito.
Ficámos instalados num dos quartos de gama superior. Deparámo-nos com um espaço de 26 metros quadrados, com altos tectos de madeira, tal qual a traça original. Mais uma vez, a escala esmaga-nos.
Observatório astronómico
Como descobrimos no dia seguinte, a estalagem reparte-se por dois edifícios distintos, ligados entre si por um amplo corredor. O corpo A corresponde à construção original, totalmente recuperada, onde ficam situados os seis quartos de gama superior. Alberga ainda um bar, o restaurante, o salão de jogos, o luxuoso Salão D. Carlos e a Biblioteca D. Amélia - assim chamados devido a uma visita que, em tempos, os monarcas fizeram a esta casa. No meio de tudo isto, um espaçoso pátio interior, ladeado de laranjeiras e com uma fonte ao centro.
O som da água corrente convida à preguiça, mas ainda há muito para ver e aceitamos por isso o convite de Paulo Saraiva de Reffóios, o director da estalagem, para conhecer a ala nova.
O denominado corpo B foi construído de raiz e tem um design minimalista, onde predominam os materiais da região, como o xisto, que forra as acolhedoras varandas dos 25 quartos standard: 13 no piso superior e os restantes 12 no piso térreo - onde ficam também o ginásio, a sala de reuniões e o auditório, com capacidade para cem pessoas.
As espreguiçadeiras nas varandas dos quartos voltam a lembrar-nos que, por aqui, o tempo é para saborear devagar. No jardim, avista-se a piscina, com o seu deck em madeira exótica. No escaldante Verão alentejano, não é possível resistir-lhe.
É sem pressas que nos dirigimos para o que Paulo de Reffóios chama de "o Rolls Royce da estalagem": um observatório astronómico, equipado com um potente telescópio de 14 polegadas MEAD, comandado por GPS e computador, sob uma cúpula de 3,2 metros. As imagens captadas podem ainda ser difundidas, em tempo real, no auditório. Segundo o director, a Estalagem de São Domingos é um dos únicos hotéis do mundo com este tipo de equipamento. "Só conheço outro e é em África", garante.
Este equipamento, aliado ao céu alentejano, com as suas condições únicas de visibilidade, faz que os amantes da astronomia, mais ou menos profissionais, sejam uma das apostas claras da estalagem. "Os hóspedes que o desejem, podem trazer o seu próprio equipamento e utilizá-lo no terraço junto ao observatório".
Paramos um momento para apreciar a paisagem circundante. Em frente, do outro lado da estrada, fica a praia fluvial da Tapada Grande. Esta vasta barragem, que durante mais de um século abasteceu de água todo o complexo mineiro, é hoje uma aprazível e bem equipada praia fluvial, com areal, relvado, bar, cais e até um anfiteatro ao ar livre. Como é permitida a prática de desportos náuticos não motorizados, a estalagem estabeleceu com o Clube Náutico de Mértola, um conjunto de programas para hóspedes, que para além de actividades várias na barragem, inclui também descidas pelo Guadiana.
Caça, passeios de bicicleta, em veículos todo o terreno e workshops de Raku (uma técnica ancestral de cerâmica oriunda do Japão), completam o leque de actividades à disposição dos hóspedes.
Para essa noite fica combinado um jantar no Sépia, o restaurante da estalagem. Com algum tempo até ao final da tarde, decidimos explorar mais em pormenor o antigo complexo mineiro.
Seguimos pela estrada de terra que leva à Achada do Gamo. Vamos de carro, mas há apenas quatro décadas, era por este mesmo trilho que o minério seguia, por comboio, para o porto fluvial do Pomarão. Perante o cenário lunar do trajecto - entre ruínas, reservatórios de águas ácidas com cores improváveis e montanhas de escombros - é difícil imaginar que, um dia, este lugar já fervilhou de actividade.
Na cozinha do Sépia
Começava já a cair a noite quando regressámos ao hotel. E já sentados à mesa do Sépia, Paulo de Reffóios explica-nos o conceito deste restaurante, que propõe uma cozinha imaginativa, concebida a partir dos sabores tradicionais do Alentejo.
Aceitamos a proposta do chef Silvestre Inácio e começamos a refeição com uma sopa de peixe do Guadiana, um creme de marisco perfumado com coentro e hortelã, guarnecido com miolo de vieiras e peixe do rio desfiado. Logo de seguida, lombo de bacalhau fresco cozido em azeite de Ficalho aromatizado e perfumado com azeite de ervas, guarnecido com migas de marisco e coulis de pimento.
No final do jantar, o chef junta-se à conversa. Ficamos a saber que, para além da vocação para a culinária, Silvestre Inácio é também formado em Química. Está explicado o segredo de tamanha perfeição.
Mais do que qualquer mordomia ou formalidade, é nos pequenos pormenores de simpatia e trato que mais se notam as cinco estrelas. "A nossa preocupação é estabelecer uma relação próxima com o cliente. Só assim podemos responder às diferentes necessidades de cada um", explica Paulo de Reffóios, que define assim as linhas mestras de orientação da estalagem: "Descanso, natureza, aventura, gastronomia, caça e astronomia". Um local de eleição para quem não se contenta apenas com o óbvio.
