Raul Indipwo calou-se para sempre. A morte do antigo membro do Duo Ouro Negro foi anunciada pela família ontem à tarde. Com o desaparecimento da voz que cantava "Amanhã vou acender uma vela na Muxima..." acaba um dos mais representativos marcos da música ligeira angolana e portuguesa das décadas de 60 e 70.
Raul José Aires Corte Peres Cruz, natural de Angola e há muitos anos residente em Portugal, encontrava-se internado no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, onde morreu vítima de doença prolongada. Tinha 72 anos. Ultimamente estava em fase de ensaios de um espectáculo com que regressaria aos palcos conjuntamente com Tonicha e o fadista Rodrigo.
Raul Indipwo integrou, com Milo MacMahon,falecido no final da década de 80, o Duo Ouro Negro, que surgiu em 1959.
Raul e Milo conheciam-se desde a infância, em Benguela, e quando se reencontraram, já no início da idade adulta, iniciaram um projecto centrado no folclore angolano de várias etnias e idiomas.
O nome "Ouro Negro" naquela região de Angola designava tudo o que fosse excepcional o petróleo, o café, um jogador de futebol fora de série ou um bom cantor, como os dois músicos explicavam. E aceitaram o nome que lhes foi proposto por uma locutora de rádio.
Um espectáculo que deram em Luanda incluía uma cláusula que garantia uma apresentação no cinema Roma, em Lisboa. E assim o grupo chega à metrópole, pela mão do empresário Ribeiro Braga.
A carreira do Ouro Negro tem, a partir de então, uma expressão internacional. No espaço de um ano, actuam na Suíça, em França, na Finlândia, na Suécia, na Dinamarca e em Espanha. Em Lisboa, ao êxito quase instantâneo dos primeiros discos, sucedem-se actuações em programas televisivos e radiofónicos, a par de inúmeras prestações em casas de espectáculos.
Seguindo a "onda" dos ritmos de dança, como o twist ou o madison, o Duo Ouro Negro lança o kwela, inspirado numa dança ritual africana, que rapidamente se transformou numa moda, sendo considerado o ritmo do Verão em1965. A moda pegou em Portugal e na Europa.
Em 1966, o duo conhece um dos pontos mais altos da sua ainda recente carreira, ao actuar no Olympia e no Alhambra, em Paris. E no ano seguinte, naquela que pode ser considerada uma das mais elevadas distinções do grupo, actuam na Sala Garnier da Ópera de Monte Carlo para os príncipes do Mónaco, por ocasião das comemorações do quarto centenário do principado. Nos anos 70, com o espectáculo "Blackground", o Duo Ouro Negro fez êxito em Lisboa e mais tarde na Alemanha.
Dois meses antes do 25 de Abril, Raul Indipwo desdenhava, de certa forma, a situação em Portugal, afirmando que "a verdade é que não há um sítio, uma casa de music-hall para cantarmos. A televisão contrata como vedetas cançonetistas que lá fora ficam num plano inferior a nós".
Com a revolução, o duo experimenta sons de carácter mais vanguardista e, em breve, optava de vez pelo estrangeiro, com novas actuações nos Estados Unidos, Austrália e Paris. Com a morte de Milo, no final dos anos 80, terminou a carreira do Duo Ouro Negro. Raul aos poucos foi-se dedicando mais à pintura. Em 2000, criou a Fundação Duo Ouro Negro (cultura e solidariedade), vocacionada par o apoio a projectos musicais com o seu país de origem, Angola.
