Música: Concurso Vianna da Motta celebra 50 anos, entre incompreensões, dificuldades e irregularidade - Sequeira Costa
Nuno Lopes (texto) e Miguel Lopes (foto), da Agência Lusa
Lisboa, 14 Jul (Lusa) - Incompreensões, dificuldades e irregularidade têm pautado os 50 anos do Concurso Vianna da Motta que se completam este ano, a par de um elevado prestígio internacional que distinguiu 13 pianistas em 16 edições.
A declaração é do pianista José Carlos Sequeira Costa, que fundou o concurso em 1957 para "honrar a memória" do seu "querido mestre" Vianna da Motta, com quem trabalhou nove anos.
Num balanço feito à agência Lusa, Sequeira Costa disse ter realizado até aqui uma "caminhada muito dura e entre muitos escolhos", mas considera-se orgulhoso, pois "vencer o concurso é um excelente cartão de visita para os palcos internacionais".
"O concurso é de facto dificílimo e faço questão de manter o nível elevado pois quero manter o prestígio" alcançado, afirmou.
Daí o facto de, em 16 edições, só em nove terem sido entregues primeiros prémios, alguns ex-aequo como no caso das edições de 1964 (Nelson Freire e Vladimir Krainev) ou de de 1975 (Theophil Bikiss e William de Van).
"Quem vencer o concurso tem de estar à altura de vencedores anteriores como um Freire, Krainev ou Victoria Potsnikova", disse.
Vencedor do Concurso de Piano de Paris aos 22 anos, Sequeira Costa projectou para Portugal "um concurso internacional que nos ombreasse com as outras nações".
Hoje, a completar 78 anos quarta-feira, recordou: "na altura foi difícil convencer as autoridades que não queriam que o concurso tivesse amplitude internacional, mas eu insisti e consegui".
A vitória nesse primeiro ano do pianista soviético Naum Shtarkman comprometeu o concurso.
"O facto de um soviético ter ganho e nos lugares seguintes terem ficado também um soviético [Gleb Aksselrod] e um polaco [Milosz Magin] não agradou ao regime de então, pelo que fiquei sem autorização de realizar o concurso durante seis anos", afirmou.
Em 1964 regressa o concurso graças ao absoluto empenho de Sequeira Costa, que para o efeito alugou o Cinema Império, "tendo-se apresentado as diferentes sessões como se fossem concertos".
Precavendo-se, Sequeira Costa convidou todo o corpo diplomático acreditado em Portugal para assistir, o que evitou qualquer manobra do regime para o cancelar.
Em 1965 o concurso é reconhecido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura), "constituindo então o único elo cultural de Portugal ao exterior, pois estava isolado internacionalmente".
Em 1966 volta a realizar-se, não sendo atribuído o primeiro prémio, com o espanhol Alberto Attenelle e o norte-americano John Owen a ficarem empatados no segundo lugar.
O concurso vai-se realizando "sempre com perturbações" e de forma irregular. Em 1968, por exemplo, acontece "pelo empenho do Dr. Ataíde, do Ministério da Juventude e Desportos, tendo sido a Aula Magna o cenário".
Com o 25 de Abril de 1974, ano em que não se realiza, "muitos destes impedimentos desapareceram", mas começa uma "via crucis" do pianista para "explicar a cada ministro da Educação ou da Cultura de cada Governo a importância cultural deste concurso para o país e toda a logística que o envolve".
Só em 2001, "graças ao empenho do ministro Marçal Grilo, fiquei mais descansado, pois o Governo assinou um protocolo com a Fundação criada para os concursos que o institucionaliza, garantindo a sua realização trienalmente.
Entretanto, após a Revolução do Cravos, o Vianna da Motta realizou-se em 1975 e 1979.
Na década de 1980 realizou-se apenas duas vezes, em 1983, em que não foi atribuído o 1º prémio, e em 1987, em que venceu Artur Pizarro.
Catorze anos antes tinha também vencido um português, Gerardo Ribeiro, ex-aequo com Ida Kavaflan, no primeiro ano em que o concurso não foi de piano, mas de violino.
"Foi uma opção minha, gosto imenso de violino, se não fosse pianista teria sido violinista", justificou Sequeira Costa.
O violino voltaria a ser instrumento de eleição em 1993, não tendo sido atribuído o 1º prémio.
Na década de 1990 a realização do concurso contou com o apoio da Câmara de Lisboa, sob a presidência de Nuno Krus Abecassis, em 1991, "que foi uma trapalhada de tal ordem e um sarilho...", desabafou o músico.
Face às dificuldades, o ex-governador de Macau Vasco Rocha Vieira, seu admirador, facilita-lhe a realização do concurso em 1997 e 1999 no então território sob bandeira portuguesa.
"Foram dois brilhantes concursos", afirmou emocionado Sequeira Costa.
Em 1997 venceu o pianista chinês de Hong Kong Tao Chang e em 1999 o cazaque Amir Tebenikhim.
Sequeira Costa reconhece que não basta "ser uma pianista com boas intenções para vencer o concurso, há que ter além de talento muito trabalho e intelecto para se entender a obra que se toca".
As novas gerações, em sua opinião, "não têm critério, nem disciplina no estudo ou conhecimento de causa e estão mal preparados, além de lhes faltar força de vontade".
"Os jovens não querem dedicar-se quatro ou cinco horas seguidas, sem interrupções, ao piano, procuram o sucesso fácil, mas ficam sempre pela rama", avaliou o pianista.
Razões talvez para nas duas primeiras edições deste século não ter sido atribuído nenhum primeiro prémio.
Em 2001 a japonesa Nami Eijiri alcançou o 2º lugar, e, em 2004, a russa Elenora Karpoukhova ficou-se também pelo 2º posto.
Para Sequeira Costa, continuar o concurso "é uma garantia, tanto mais que está firmado um protocolo com o Estado", e o "caminho cheio de escolhos, difícil de trilhar, tem valido a pena pela música e os jovens" que, como afirmou à Lusa, lhe merecem todo o seu apoio.
NL.
Lusa/Fim
