Crise alimentar: Preços agrícolas continuarão altos num mercado que atrai investimentos especulativos - analistas
Corpo do artigo
Lisboa, 18 Mai (Lusa) - Há factores estruturais que explicam o aumento dos bens agrícolas, tendência que se manterá pelo menos nos próximos quatro anos, garantindo analistas à Lusa que os investimentos especulativos, encontrando terreno para actuar, não são ainda centrais no preço.
Desde o início de 2008, em cerca de quatro meses e meio, os preços dos contratos para o milho subiram 32,5 por cento; os do trigo 33,5 por cento; e os contratos para a soja aumentaram 5,5 por cento.
O Deutch Bank justifica esta evolução dos preços sobretudo por factores estruturantes: "No mundo dos bens agrícolas, os rácios entre stocks e consumo, nas principais commodities, tem vindo a cair nos últimos anos, o que demonstra bem a alteração (profunda)do mercado".
O maior banco alemão prevê que este movimento possa ainda "agravar-se no futuro", admitindo ser este o cenário "mais provável" na sua opinião, sem que a instituição financeira ponha a tónica da pressão de subida dos preços nos especuladores.
"Temos de nos deixar de desculpas. É uma falácia. A culpa não é dos especuladores", disse à Lusa o analista Alexandre Mota, da Golden Assets.
A especulação "é um factor inerente" à actividade dos mercados, disse à agência Lusa João Queiróz, da L. J. Carregosa, assegurando tratar-se de "mais um factor", mas não determinante para explicar a subida acentuada dos preços dos produtos agrícolas.
"O que é estruturante no aumento dos preços é a explosão demográfica mundial [que passou de 4,1 milhões de habitantes em 1975, para cerca dos actuais 6,1 milhões, prevendo-se que atinjam os 8 milhões em 2025], a adopção pela China e Índia do modelo alimentar ocidental [à base de carne, lacticínios e derivados], as alterações climáticas e a falta de solo arável devido ao avanço da urbanização e à falta de água", adiantou o analista.
Além disso, destacou o aumento de rendimento das populações nos países emergentes e a quebra de stocks face à oferta a que acresce a procura de energia (biocombustíveis - biodiesel e bioetanol), tendo por base os bens agrícolas, caso do milho (Estados Unidos), da soja e do açúcar (álcool) proveniente da exploração cana-de-açúcar (Brasil).
Em declarações à Lusa, o subdirector do Banco Invest, Paulo Monteiro, justificou também a subida dos preços devido a factores estruturantes, mas realçou que o "boom" dos preços dos bens agrícolas coincidiu com a crise nos mercados financeiros.
No entanto, admitiu que os mercados de acções e obrigações "estão cada vez mais voláteis".
"Os investidores [no actual contexto] procuram diversificar as suas carteiras, apostando em activos, caso dos bens agrícolas, que têm um bom suporte de preço", admitiu.
Mesmo no caso de haver um ajustamento dos preços dos bens agrícolas, estes activos, a médio/longo prazo, apresentam sempre "uma grande exposição", pelo que deverão continuar a ser "bastante atractivos", disse João Queiróz.
Assim, "não se perspectiva" que os seus preços caiam para os mínimos de há dez anos, disse o analista.
Alexandre Mota referiu ainda à Lusa que, logo que se resolva a crise financeira internacional, devido à forte subida geral dos preços das commodities agrícolas, o mundo vai-se confrontar com taxas de inflação e de juro "mais elevadas", nos próximos 4 a 5 anos.
"Acabou o tempo da comida barata e do dinheiro barato", assegurou.
De acordo com o presidente-executivo da Personal Value, "é difícil mensurar os níveis de liquidez e profundidade que têm os fundos ligados a commodities em geral, e em particular, aos bens agrícolas".
Uma coisa é certa, assegura à agência Lusa, o preço deste tipo de mercadorias "está a ser pressionado para cima", devido a factores estruturais, bem como a alguma "especulação", sempre existente.
Os analistas contactados pela Lusa admitiram nos próximos anos terá de haver uma alteração das políticas agrícolas a nível mundial, haverá países emergentes que irão beneficiar com a subida do preço dos bens alimentares e que no caso dos países mais pobres poderão acentuar-se a tensões sociais e a fome.
"Há que reequacionar o paradigma agrícola em todo o mundo, mesmo na União Europeia e nos Estados Unidos", sublinharam.
JS
Lusa/Fim
