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Marisa Rodrigues
As marcas da mão, da face e o movimento descendente até ao solo encontrados numa parede da casa de Figueira coincidem com as de uma criança do tamanho de Joana Guerreiro. O coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária (PJ) de Faro, Gonçalo Amaral, ouvido, ontem, no tribunal de Portimão, não tem dúvidas são vestígios que revelam que foi ali que a menina de oito anos foi agredida pela mãe e pelo tio e morreu.
"Acredito que eles não a queriam matar. Bateram-lhe e viram-se confrontados com aquele resultado. Depois, fizeram o corte para ocultar os abusos sexuais de que a menina seria vítima", afirmou o investigador, durante a segunda sessão do julgamento de Leonor e João Cipriano, mãe e tio de Joana, que estão a ser julgados pelos crimes de homicídio qualificado e profanação e ocultação de cadáver.
Os vários vestígios encontrados no interior da casa onde a menina morava com a família e que sustentam a acusação foram analisados pelos magistrados, nomeadamente o sangue encontrado perto de um interruptor da luz, na parede, no chão, junta à porta e no balde com a esfregona. "As análises comprovaram que eram de sangue humano", esclareceu Gonçalo Amaral, acrescentando que só depois de serem conhecidos os resultados foram detidos os dois suspeitos.
Por determinar ficou o ADN. "O sangue estava contaminado", disse o coordenador de investigação criminal, reconhecendo no entanto não ter sido possível confirmar se a contaminação foi provocada pelo petróleo que terá sido utilizado para limpar a casa.
Os investigadores da PJadmitiram terem sido as primeiras declarações de Leonor à comunicação social que levantaram as suspeitas de que poderiam estar perante um homicídio e não um rapto, como começara por afirmar. "Estava vestida de luto, falava da filha no passado e disse que a miúda tinha regressado a casa depois de ir às compras", explicou Gonçalo Amaral. Na sequência das suspeitas, disse, foi determinada a inspecção à casa.
"Estava muito suja e a loiça não era lavada há 15 dias, mas o chão e as paredes estavam limpas", disse o inspector-chefe, Júlio Santos, referiu-se aos vestígios recolhidos nessa primeira diligência. Recordou as explicações de Leonor. "Disse-me que a casa estava limpa por causa de umas carraças".
Momentos antes, a veterinária arrolada como testemunha pelo Ministério Público (MP) tinha referido que a existência de carraças pode estar relacionado com vestígios de sangue na casa. "Estes parasitas são atraídos pelo sangue, mesmo que não esteja fresco".
A PJ acredita que o corpo de Joana foi esquartejado, guardado nas gavetas da arca congeladora e defende que o corte foi feito em três partes. "O João fez a reconstituição connosco. Estava calmo e sabia o que estava a fazer", disse o inspector Carlos Domingos. Vítor Rodrigues, também da judiciária, recordou que João "disse que o meteram em sacos de lixo preto, antes de os colocarem nas gavetas da arca". O corte do cadáver terá demorado cerca de meia hora.
A pedido da defesa de Leonor Cipriano hoje deverão ser ouvidas duas testemunhas e um médico que participou na reconstituição do esquartejamento e colocação do corpo da menor dentro da arca frigorífica. Apesar de já ter testemunhado, o padrasto de Joana foi notificado para prestar novos esclarecimentos.
Depoimento de amiga foi gravado e reproduzido
Familiares dos arguidos foram ouvidos ontem, mas nem todos quiseram prestar declarações. Um dos depoimentos mais aguardados era o de Nídia Rochato, melhor amiga de Joana e dona de um supermercado na Figueira onde a família da menina fazia compras - gravado para memória futura duas semanas antes do julgamento - e que foi reproduzido. A testemunha contou que levou a pequena ao hospital porque "estava com tosse há duas semanas". Revelou também que, no primeiro dia de aulas, Joana apareceu no supermercado a chorar porque não sabia onde era a escola e ninguém a levava lá. Nídia Rochato conduziu-a lá. A dada altura do depoimento, a mulher emociona-se e dirige-se a Leonor Cipriano, que assistiu à diligência. "Como é que tu foste capaz de fazer uma coisa destas?", disse, sendo repreendida pela juiz-presidente. A dona do estabelecimento, que se encontra em Inglaterra, adiantou ainda ter ajudado várias vezes Joana. "Só não fiz o que devia ter feito, que era tirá-la da mãe", disse, ao tribunal.