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Recebo carta de um portuense de Massarelos, mas que vive há longos anos em França, mais concretamente em Bordéus. Veio ao torrão natal integrado numa excursão de franceses daquela região, ligados, como ele, ao comércio do vinho. Houve uma visita à catedral, que ele julgava conhecer relativamente bem, mas no final ficou com dúvidas.
Refere na carta "?vivia na convicção de que tudo aquilo, à excepção da galilé, era obra dos séculos XII e XIII". Pelos vistos, a guia turística que os acompanhou falou-lhes de transformações profundas mas "não especificou, nem o tipo de alterações que foram introduzidas, nem a época em que isso aconteceu".
No limitado espaço da crónica vamos tentar dar uma ideia de quais foram as mais importantes transformações que se operaram na Sé, ao longo dos anos. Houve muitas, naturalmente, umas provocadas pelas vicissitudes do tempo outras pela incúria dos homens. Referiremos, apenas, as mais importantes.
A primeira, e talvez a mais significativa, alteração feita no edifício da Sé ocorreu em 1606, há precisamente 400 anos. A diocese era administrada então, se assim pode dizer-se, pelo beneditino frei Gonçalo de Morais, do mosteiro de S. Miguel de Refojos. Chegara ao Porto, para ocupar a cátedra diocesana, em 1603 e, três anos depois, tomou a iniciativa de remodelar profundamente a capela-mor e a sacristia do templo.
No primeiro caso substituiu a antiga capela-mor, que era de forma semicircular e a que se dava o nome de charola, pela actual, que foi feita em mármore e com a amplitude necessária para receber o numeroso cabido portucalense. Ainda hoje se lamenta a destruição da antiga charola. Se tivesse chegado até nossos dias seria, porventura, a mais bela jóia da nossa catedral.
A actual sacristia da Sé era anteriormente uma capela onde os prelados se paramentavam para os actos solenes. Tem um belíssimo altar e magníficos armários e arcazes onde se guardam paramentos e alfaiais.
Mas as remodelações mais profundas ocorreram no século XVIII, entre 1717 e 1741, em período de "sede vacante" isto é, com a Sé vaga, sem bispo e sob a administração dos cónegos. É por esta altura que chega ao Porto, precisamente para trabalhar nas obras da Sé, o arquitecto Nicolau Nasoni.
Foi tão profunda e radical a transformação que, entre 1717 e 1741, se operou na antiquíssima catedral, que de uma "Memória" daquele tempo consta que "dificilmente se podia imaginar o que eles (quem trabalhou na remodelação) lá fizeram a quem não houvesse conhecido antes a Sé". Daquela mesma "Memória" consta ainda que "durante meses e até anos, a catedral, por causa das obras, parecia um verdadeiro pandemónio". Ao que parece, quase tudo o que era antigo foi deitado abaixo para se erguer uma nova "casa".
Atente-se em mais esta passagem da tal "Memória" era espantosa "a mánica (sic) de andaimes, escoras, mastros, cabos, guindastes, escadas, taboado" que havia dentro das naves.
Foi uma transformação radical e profunda. Os promotores das obras tiveram uma intenção fornecer ao interior do templo mais e melhor iluminação. Para atingirem os seus objectivos foram-se às antigas frestas e transformaram-nas em janelas e a pedra nua e escura das paredes e abóbadas foram estucadas de branco.
Da estrutura
românica
da Sé
é muito pouco
o que ainda existe
História resumida da catedral
A Sé do Porto é um edifício dos séculos XII e XIII, de estrutura primitivamente românica. Há vestígios desta estrutura, por exemplo, no exterior da capela de S. Pedro, subsistente no transepto direito, onde também é visível a estrutura de uma escada helicoidal que dava acesso à parte superior da charola. Na primeira fase das obras, por meados do século XII, o templo sofreu influência da arquitectura francesa da época. Devia ser desse tempo a primitiva charola ou deambulatório, que era cercada por um corredor em que havia pelo menos três altares, dedicados a S. Jerónimo, ao Divino Salvador e a Santa Margarida. Segundo uma antiga tradição, a catedral foi construída no lugar onde antes havia uma pequena capela, no sítio vulgarmente chamado do Castelo Suevo. As obras iniciais decorreram por conta da rainha D. Teresa, mãe do nosso primeiro rei. Recentemente, já nos nossos dias, entre 1939 e 1940, a Sé voltou a sofrer obras de remodelação, por alturas da celebração do duplo centenário da independência 1140-1640-1940. Esta nova fase de obras na Sé caracterizou-se, em parte, pela demolição de grande parte dos enxertos que lhe haviam sido aplicados da renascença e do barroco. Como aconteceu nas anteriores fases de remodelações, o critério deste último restauro não teve o apoio unânime de críticos e historiadores.
