Oteu olhar tem qualquer coisa de miúdo, como se tivesses escolhido nunca crescer por completo, apesar dos prémios, do reconhecimento, do apartamento no centro da cidade com porteiro e garagem, de uma vida que te querem impor com regras e golpes de diplomacia e que tu recusas como quem deixa um gelado a meio, porque não te apetece.
Gostei logo do teu ar de índio que sabe negociar a paz com paciência e alguma manha, sentado numa cadeira a espiar-me pelo canto do olho, sem saberes muito bem como chegar até mim e eu ali mesmo ao lado, a pensar o mesmo, a sentir o teu coração a bater pelo meu, só de te ter visto de relance, por mero acaso, no mesmo espaço ao mesmo tempo, o tempo certo para os dois.
Não sei há quanto tempo foi, o tempo nunca conta quando se começa uma viagem, não conta o sono porque sobra sempre pouco tempo para dormir, a hora do almoço é empurrada para as quatro e o jantar nunca é antes das dez só para estarmos juntos como dois refugiados que se encontram no caminho e decidem o partilhar o mesmo destino.
Agora olho para trás e percebo que andavas por aí, mas como és discreto e sossegado nunca te consegui ver, mesmo quando me vias por todo o lado. Não sei como não desisti, mas a verdade é que nunca deixei de sonhar, nunca deixei de acreditar que a vida me podia dar o que quero e mereço e se calhar é por isso que as pessoas confiam em mim quando lhes vendo os meus sonhos em folhas cheias de histórias e de desejos.
Estávamos a jantar num restaurante tranquilo, tu tinhas escolhido linguadinhos fritos com arroz malandro e eu iscas com batatas quando te pedi sem te dizer nada para não saíres da minha vida, porque não quero voltar ao caminho dos refugiados, não me apetece desistir, deixar de acreditar, voltar atrás e ter de esquecer o que foi importante, quando tu me disseste, desta vez com palavras, que estavas igual a mim, um bocado farto da solidão povoada, de acordar e fingir que está tudo bem, que é só mais um dia para à noite mergulhares no casulo ao lado onde ninguém te via e tu não vias ninguém.
A vida ensinou-me poucas coisas e com o passar dos anos só aprendi que tudo se desaprende e tudo muda, por isso confio mais em mim do que nos outros e sei que o apego é como uma droga leve, que vai tomando conta de nós todos os dias mais um bocadinho, mas se tudo correr bem, o medo acabará por se ir embora e poderei enfim descansar mesmo durante a viagem, desde que estejas por perto, dessa forma tão sábia e subtil que só tu conheces, como um arroz malandro feito com arte e experiência por uma cozinheira dotada e humilde que nem sabe o quanto é boa.
Mais do que as palavras ditas, e tu dizes poucas e por isso é que as oiço todas, foi o teu olhar de miúdo com o brilho dos dez anos e o sorriso de 12 que me entrou no coração como uma flecha do deus voador senhor das setas doces e fiquei sem resposta, com a garganta a dar nós e laços sozinha.
Não sei quantas formas de amor existem no mundo, mas se os árabes têm 99 nomes diferentes para o mesmo deus, então os homens podem inventar infinitas formas diferentes de amar. E eu quero inventar algumas contigo, sentada à mesa a saborear arroz malandro, a brincar às casinhas ao fim-de-semana, a passear na praia ou em qualquer lugar onde te sintas feliz. O amor tem muitas formas e muitas cores, mas só um segredo o faz resistir à mudança dos mundos e quem sabe se tu, que tens a alma de um chefe índio que ganhou muitas guerras sem ir a batalhas, tens a chave do nosso amor guardada no peito à espera que eu a descubra e a vá buscar.
