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As chamas entraram, na última madrugada, em Coimbra, com uma violência nunca vista na cidade e muito provavelmente em qualquer cidade portuguesa da mesma dimensão. Arderam casas, oficinas, arrumos, carros, mobiliário urbano e ainda 80% da Mata Nacional de Vale de Canas num incêndio que, tal como outros 35, ontem à noite estava descontrolado.
Mais um dia de horror no país, em que a morte de um homem faz subir para 14 o número de vítimas nesta época de fogos (incluindo os 10 bombeiros falecidos). Em Vila Nova de Poiares, onde começou o fogo, um homem que estava a ajudar os bombeiros foi atropelado mortalmente pelo camião da corporação local.
Em Coimbra, entre a meia-noite e as três da madrugada viveram-se momentos de pânico. A proliferação de focos de incêndio (lançados pelo forte vento) e a existência de um elevadíssimo número de habitações fazia da população o principal "exército" no combate às chamas. Era o caso, por exemplo, de pouco mais de uma dezenas de pessoas, no Casal da Misarela, a quem as duas mãos não eram suficientes para tantos baldes, "Nem um bombeiro, nem pressão na água para usarmos as mangueiras", praguejava Maria de Fátima.
Ao mesmo tempo, as labaredas entravam na cidade por três zonas distintas. Na margem esquerda, teve de ser feito um contra-fogo para salvar o Hospital Sobral Cid (onde os doentes de um dos pavilhões foram para outro edifício); na margem direita, ardia o Pinhal de Marrocos junto ao Pólo II; e na encosta do Tovim, 80 % da Mata de Vale de Canas virava carvão, perdiam-se carros junto à rua Brigadeiro Correia Cardoso... Tudo a um ritmo alucinante, perante o olhar estupefacto de milhares e milhares de pessoas que saíram à rua.
A cidade acordou com uma nuvem de fumo e com cinza espalhada um pouco por todo o lado. Depois de almoço o "inferno" - palavra tão recorrente como realista entre as amedrontadas populações - recomeçou. Primeiro em Torres do Mondego, que se salvou graças à entrada em acção de um grupo de intervenção de Évora que foi transferido da Pampilhosa da Serra para Coimbra mas também dos meios aéreos em força. O abastecimento no rio foi uma ajuda imperiosa, já que permitia descargas quase constantes.
Duas horas depois, em Almalaguês, noutra frente de fogo distinta, uma casa de primeira habitação de um casal que se encontrava de férias no Algarve era consumida pelo incêndio.
Presume-se que tenham sido mais de uma dezena as habitações destruídas. Esta ficava situada entre duas outras que escaparam ao fogo, salvas pelos Bombeiros de Lagares da Beira.
Perto desta habitação, ardeu ainda uma oficina de automóveis, propriedade de Paulo Pereira Alexandre que há seis meses tinha dado início ao negócio. Parte da oficina e alguns veículos de clientes e de pessoas que lhe pedem para arrumarem reboques e atrelados nas instalações foram consumidos pelas chamas. Ao lado, ardeu ainda uma antiga serração, já desactivada, mas onde se encontravam depositados uma enorme quantidade de veículos velhos que foram totalmente consumidos pelo incêndio, provocando o pânico geral nos habitantes dado os sucessivos rebentamentos. O Centro Paroquial Bem Estar Social de Almalaguês foi também namorado pelas chamas de onde tiveram de ser evacuados 25 utentes do Centro de Dia.
Um dia que Coimbra jamais esquecerá, referia um exausto bombeiro da cidade, numa altura em que se desconhece como e quando aquele fogo parará. Até porque a lista das localidades que ontem, em Coimbra como nos concelhos vizinhos, se encontravam na rota dos fogos era bem extensa.
Meios aéreos geram troca de críticas
O presidente da Câmara de Coimbra, Carlos Encarnação, lamentou ontem a escassa mobilização de meios aéreos nos momentos que se seguiram ao deflagrar do incêndio que em duas horas percorreu 20 quilómetros (de Poiares a Coimbra). O autarca (PSD) frisou que essa acção não se pode limitar a "duas ou três descargas" no início do fogo, o que terá acontecido domingo à tarde em Coimbra.
Palavras que disse não serem de crítica mas meras constatações. Todavia, mereceram de Henrique Fernandes, governador civil, uma resposta cáustica. Entrevistado pela Antena 1, disse que Encarnação não tinha razão. Acusou-o de estar a fazer "demagogia" e num comentário final criticou-o por a Câmara Municipal permitir que dentro da cidade existissem vários núcleos florestais praticamente colados às casas.