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Nos dias que correm, um filme adolescente não é forçosamente consumido pela faixa etária sub-20. A fronteira entre adolescentes e jovens adultos tende a diluir-se e as estratégias artísticas e comerciais confirmam essa tendência.
Os sucessos esmagadores deste Verão exibem sinais cativantes para um público jovem, o que corresponde a uma estratégia comercial ajustada a quem conhece o mercado. É o caso de João Cameira, director-geral da Columbia Tri Star em Portugal "Um 'blockbuster' atinge esse estatuto pelo facto de ser visto por uma plateia alargada. Os estudos dizem que o maior grupo dentro dessa audiência está no escalão 15-34. Logo, as sequelas dos 'blockbusters' terão sempre que considerar essa realidade".
Potter já não fala português
A Columbia estreia hoje, em 105 salas, "Harry Potter e a Ordem da Fénix", o quinto filme da saga. Na actual temporada de Verão, é o melhor exemplo de um filme que encontra nos adolescentes o seu pleno mercado. João Cameira define que a faixa etária do filme é abrangente - "15/44, adolescentes e jovens adultos urbanos" - e assume que o 'franchise' do feiticeiro foi reposicionado através de uma "ligeira subida do 'target' etário primário e da ausência de cópias dobradas". Ou seja entretanto, os miúdos que viram os filmes anteriores cresceram e já dispensam a dobragem, enquanto que os mais pequenos podem ser ainda imaturos para acompanhar o enredo da "Ordem de Fénix".
Potter já não fala português, o que para António Quintas, especialista em marketing de cinema, "envia uma mensagem ao público cuidado, a partir de agora se calhar as crianças mais pequenas podem assustar-se a sério". António Quintas lançou os quatro episódios anteriores e reforça que o reposicionamento natural da saga é um 'case study': "Como as personagens cresceram, também os temas, a abordagem e o próprio público amadureceram. É um exercício engraçado regressar aos primeiros dois filmes e compará-los com os capítulos mais recentes. É isso que é fascinante em Harry Potter, o facto de acompanhar o crescimento dos leitores e espectadores. A evolução é, assim, quase natural pois reflecte-se através dos problemas que as personagens enfrentam à medida crescem". Ou seja, a série perdeu inocência...
Mas Shrek é mais novo...
E o que dizer do ogre verde que na terceira fita vem com ar assustado perante os compromissos familiares e sociais? Um elemento narrativo como o casamento, filhos e o protagonismo das princesas guerreiras podem cativar os adolescentes e o público feminino. "Shrek, o Terceiro" já arrastou 600 mil portugueses e assumiu esta semana a liderança da bilheteira nacional, superando o fenómeno "Mr. Bean".
Nuno Gonçalves, director-geral da Lusomundo, salienta ao JN que o público-alvo internacional oscila entre os 12 e os 33 anos. Nega que seja um filme 'teen' - "é o mais abrangente de todos, o que é positivo para o negócio; quanto à imagem de Shrek, só a poderemos avaliar no 4.º episódio" -, e revela que, em Portugal, a Lusomundo elegeu os adolescentes (12-18 anos) como espectadores prioritários. Touché, diria o Gato das Botas!
Além de "Shrek", a Lusomundo já facturou imenso com o mega-sucesso de "Transformers" e "Piratas das Caraíbas 3" (ver quadro na página seguinte). Nuno Gonçalves não hesita estes filmes "são destinados a adolescentes". No entanto há uma preocupação em sugestionar os jovens adultos e salienta que no caso de "Transformers", "os bonecos delimitam muito o público, pelo que o elemento de comédia é um 'plus', tal como o romance que agarra os mais velhos". Em relação a "Homem-Aranha 3", António Quintas não despreza a totalidade do público de cinema, já que "os argumentos têm vindo a amadurecer, há mais ênfase na relação com Mary Jane e nos desafios que se colocam a Peter Parker".
Ano mágico a caminho?
A diversificação de públicos não ilude uma verdade Hollywood deposita nos adolescentes e no imaginário dos jovens adultos todas as esperanças de um Verão que poderá ser histórico.
Em Maio, nos EUA, os terceiros tomos de "Homem-Aranha", "Piratas" e "Shrek" quebraram a barreira dos 100 milhões que define o 'blockbuster', algo que nunca tinha acontecido num só mês. Os executivos sonham que a temporada de Verão totalize a receita recorde de 4 mil milhões. Com essa dinâmica, as contas de 2007 podem fechar com a soma 10 mil milhões, valor mágico e nunca alcançado no mercado doméstico americano.
Mas não deixa de ser irónico que a chave de tão estrondoso sucesso esteja nas mãos dos adolescentes. À cautela, Nuno Gonçalves lembra que "os 'teens' são o grande mercado mundial mas também são os que praticam mais pirataria". Um caso a seguir... nas bilheteiras ou na Polícia?
