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Umas estranhas cólicas do lado direito do abdómen vieram baralhar a vida feliz de Vítor Sapo. A simplicidade do sintoma escondia o pior, resultado de um certo gosto por tainadas. "A alimentação não seria das melhores". Diagnosticaram-lhe um cancro no cólon, já a avançar para o fígado. "Tinha 45 anos e pensei é mais um mês ou dois". Acompanhado no Hospital de Almada, um dia veio a sugestão - entrar num ensaio clínico para um tratamento inovador. "Eu tomo o melhor que vocês encontrarem". Passaram 20 meses e Vítor continua sem metástases.
Este militar da GNR de Cacilhas é apenas um dos 48 portugueses que participaram no ensaio em causa, uma investigação que revelou um aumento substancial da taxa de sucesso. "Praticamente duplicou os resultados do tratamento a que actualmente se submete os doentes com cancro colo-rectal", explica Sérgio Barroso, que lidera a equipa responsável pelo ensaio clínico. É o primeiro com esta dimensão envolvendo cancro no nosso país e os resultados a que chegou atribuíram-lhe um passaporte para um dos mais importantes congressos mundiais de oncologia.
O trabalho do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo é hoje apresentado nos Estados Unidos, no Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica O tratamento a que se submeteu Vítor Sapo foi testado em 48 doentes com cancro colo-rectal em fase avançada, isto é, já espalhados para órgãos como o fígado ou os pulmões, mas que não tinham feito ainda quimioterapia. Isto porque o ensaio clínico - promovido em onze hospitais - consiste em associar a quimioterapia com um novo fármaco, dirigido contra as células do tumor o cetuximab, que evita a multiplicação das células malignas e leva à sua destruição. O objectivo era "avaliar a eficácia e a toxicidade do tratamento".
E a conclusão preliminar confirmou resultados internacionais 58% dos doentes melhoraram. Isto é, "o tumor reduziu de tamanho ou, nalguns casos (10%) desapareceu", explica Sérgio Barroso. Isto quando o tratamento actual tem taxas de sucesso de 30%. O doente fica sem doença activa, sendo o próximo passo do estudo avaliar o tempo até que o tumor volte a progredir. O tratamento, quanto ele, deverá ser aprovado ainda este ano pelas autoridades sanitárias americana e europeia.
Alguns doentes do ensaio cujo tumor diminuiu puderam ser submetidos a uma cirurgia para retirar os restos. Foi o caso de Vítor Sapo. Operado a 16 de Agosto de 2006 e sujeito a quimioterapia de Outubro desse ano a Janeiro de 2007, acabou por ter de retirar depois parte do fígado. "Desde então tenho andado bem. Estou ao serviço, só não ando na rua porque a junta médica assim decidiu", conta o militar, apanhado de surpresa na flor da idade por uma doença que não se fez anunciar nunca fumou, nem tem antecedentes familiares de cancro do intestino.