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Samba. Forró. Reagge. O momento sublime em que Gilberto Gil e Maria João testaram as suas capacidades vocais ao desafio, dançando em desvario, ou as canções que celebrizaram o agora ministro da Cultura brasileiro, num encore que se prolongou por mais de 40 minutos, iniciado com "No woman no cry" - e que levou a plateia que encheu o recinto Keil do Amaral, em Monsanto, a entoar em uníssono "Não, não chore mais" -, foram os momentos altos do concerto promovido pela edilidade, que, ontem, encerrou as festas de Lisboa.
Mas também o solo vocal de Maria João que ao interpretar "Beatriz", descalça, trajando um longo vestido roxo até aos pés, protagonizou o momento mais intimista da noite. No ar ecoaram as notas da canção de Milton Nascimento e mesmo sem isqueiros acesos, fez-se um absoluto silêncio.
O contraste de emoções e de ritmos foi, aliás, uma constante de todo o espectáculo que começou pouco depois da hora prevista, com a clareira ao ar livre já repleta de portugueses e muitos brasileiros.
Gilberto Gil entrou no palco ao som de um suave rufar de batuques ameríndios, pulando no seu traje informal. Camisa aberta, mangas arregaçadas, violão nos braços e o comprido cabelo "rasta" apanhado. O público demorou a aquecer e o cantor ia testando a qualidade do som, sem pressa.
À terceira música, surgiu a homenagem a Jean Paul Sartre e uma melodia em francês em que evocou alguns nomes célebres da cultura gaulesa. Uma ronda musical pela sonoridade europeia, com enquadramento melódico tropical que passou também pela versão adaptada de "Strawberry fields forever" dos Beatles, enquanto saltitava no palco.
Voltaria aos quatro de Liverpool, ao entoar "Imagine" de John Lennon , já tinha cantado em espanhol, uma música de intervenção, explicando antes que segundo uma lenda índia, os escravos africanos levaram para o Uruguai tambores que só produziam duas sonoridades. Um soava tã, e o outro, go.
Foi então que falou do cantor, dramaturgo, "ele faz tudo", Chico Buarque de Holanda, para cantar o que "a Rita levou" quando foi embora.
O concerto começou então a animar, ficou mais empolgante com o refrão "Aquele abraço". Seguiu-se o maracatu com Gil a ensaiar passos de capoeira, ao som de um solo de berimbau e da sanfona nordestina, antes de contar como ele e José Carlos Capinã tinham visitado uma ilha do Senegal e feito uma canção na língua autóctune sobre os escravos de Gorré.
Maria João entrou no palco para cantar em dueto "Se eu quiser falar com Deus" selado com um beijo nos lábios entre ambos, no final. A plateia ficou extasiada com "Beatriz", e foi então que ocorreu o clímax da noite.
Num momento apoteótico, a convidada Maria João dançou pelo palco com Gil, soltando ambos sons graves e agudos, em contraste, ao desafio, numa simbiose perfeita que culminou numa estrondosa ovação do público. Gilberto Gil regressou a solo para entoar "Don't worry about a thing/ Every little thing is gonna be all right", de Bob Marley e com o reggae no ar, chegou o forró do nordeste, a terminar duas horas mágicas.