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Está a pegar entre nós o método comercial de distribuição de jornais gratuitos, que são, no essencial, encartes de publicidade com alguma divulgação noticiosa. Tenho reflectido sobre isto, segundo dois pontos de vista.
O primeiro é saber se, por esta via, se cativam mais pessoas para a leitura, em primeira linha dos jornais e por arrastamento de livros; o segundo é saber se este método comercial se estende aos jornais diários e, a breve prazo, estes não têm outro caminho do que seguir-lhes os passos.
Em princípio, tudo que é de borla tem êxito assegurado, pois encarna um paradigma de fácil adesão popular - "a cavalo dado não se olha o dente" - embora também o mesmo imaginário popular alerte para o facto de que "quando a esmola é grande, o pobre desconfia". De todo o modo, a via de divulgação da mensagem comercial acoplada à notícia pegou e aquilo que começou por ser um tímido "gratuito" tem hoje já concorrência no processo divulgatório.
Não sei o grau de leitura deste tipo de jornais ou se os seus responsáveis têm dados sobre tal desempenho, deverão ter, por certo, mas quem usa os transportes, metro em particular, ou entra em cafés, dá com a sua presença cada vez maior. Será que isto arrasta para uma menor leitura os jornais diários, como o JN ou o Público, ou, pelo contrário, estará aqui a fabricar-se um novo alfobre dos seus leitores?
A esta primeira questão coloca-se-me uma grande dúvida, sabendo ainda de outros meios de divulgação da notícia e do pouco tempo que as pessoas têm, no seu quotidiano, para a procura da informação. Os jornais de borla passam pela rama da notícia e vão muito pouco à sua análise e enquadramento, não é esse o seu objectivo final nem critério editorial, mas crescem e têm adesão, já entram no território desportivo e do espectáculo, ou seja, em largas franjas específicas do potencial leitor e, como tal, não podem ser desvalorizados. São um meio de atrair à leitura muitas pessoas que não querem ou não podem despender dinheiro na compra do diário e representam, como tal, concorrência aos jornais tradicionais.
Estes, diários e, sobretudo semanários, já se procuram adaptar respondendo à letra para o específico universo dos seus leitores, pois se assumem, nalguns casos em exagero, como "encartes de publicidade", fazendo até desvirtuar a sua imagem de referência e que foi quem lhe fixou os leitores. O que dá, para os semanários, a situação de se comprar um jornal e lhe aproveitar de leitura uma pequena percentagem do papel impresso comprado, que pode começar a cansar os compradores firmes.
De qualquer modo e a propósito disto, não é difícil antever dificuldades nas orientações e critérios redactoriais e de gestão dos jornais de referência, como o nosso JN, pois os diários de borla "comem-lhes" leitores, sobretudo em período de crise económica e em segmentos pouco dados a grandes leituras.
Esta questão não é de somenos importância num território informativo e formativo como é o ocupado pela imprensa escrita, que terá tendências inevitáveis para reagir aferindo por baixo, ou seja, pela procura do combate concorrencial directo e, às vezes, de regras pouco limpas.
A outra questão, é saber se pela via do incremento dos jornais de borla se amplia o universo da leitura, em termos culturais e de pedagogia e sentido crítico. Questão bem mais complexa, pois não creio que seja por aqui que se vai ampliar a frente de acesso ao livro, pelo contrário, penso mesmo que tal caminho conduzirá a uma anestesiante e ilusória ideia de que as pessoas passarão a ler mais, o que é muito duvidoso.
Tem a ver a crónica com qualquer preconceito quanto a este tipo de jornais? Claro que não, tanto que o cronista também os lê, de outro modo não faria sentido o comentário e a reflexão que faz sobre o assunto, não esquecendo também que "a moda" não é invenção nossa, veio de fora onde há muito se pratica e onde a agressividade do mercado é bem maior.
Ler jornais diários é, também um hábito e uma exigência, e bom seria que os cidadãos cativados para a leitura dos diários a que me venho referindo, passassem do hábito à exigência e usassem esta plataforma grátis para outros voos, mais caros mas necessários, o do jornal de referência e o do livro.
Vale a pena acreditar nisto? A resposta é difícil mas há coisas em relação ás quais o recuo da dúvida é bem mais corrosivo do que o avanço da crença, mesmo para quem tem pouca fé e gosta de comprovar os factos.
gomes.fernandes@europlan.pt
